07 março 2006

Excerto de um livro não anunciado (294)

Algo correu mal nesta situação argumentativa. O que terá falhado? Há fortes razões para pensar que foi o tipo de ilustração, ou seja, a particular situação ficcionada pelo agente, que não surtiu o desejado efeito. De facto, qualquer profissional mais experiente na venda de seguros teria evitado proferir a expressão imagine que o senhor vai morrer amanhã substituindo-a por uma outra que servisse idêntico fim mas que não apresentasse o mesmo risco de surgir com uma carga emocional negativa aos olhos do cliente e que poderia ser, por exemplo, imagine que tinha morrido ontem. Notemos que embora as duas frases em causa cumpram a mesma função no contexto argumentativo (situar a morte da pessoa segura, como acontecimento que faz funcionar as garantias da apólice), criam porém, automaticamente, dois cenários radicalmente distintos na mente do candidato a segurado, quer no tempo em que se situam (passado ou futuro), quer na possibilidade da sua concretização. Ou seja, a expressão imagine que vai morrer amanhã é, à partida, muito menos “simpática” para o cliente, porque o leva a representar mentalmente um acontecimento fatídico (a morte) como algo que lhe pode muito bem vir a acontecer já no próprio dia seguinte. Daí que origine uma sensação tanto mais desagradável quanto mais impressionável ou supersticiosa for a pessoa em causa. Pelo contrário, a mesma pessoa, ao escutar a frase imagine que tinha morrido ontem, quase respira de alívio, pois sabendo-se viva, tem a imediata noção de que é totalmente impossível vir a ser vítima dessa fatalidade (a morte) nos exactos termos em que é chamada a representá-la, ou seja, como um acontecimento do passado. É, de resto, para evitar cargas emocionais negativas deste mesmo tipo que as seguradoras continuam a chamar seguro de vida a um seguro que, afinal, só funciona em caso de morte, tal como insistem em designar como seguro de saúde uma apólice que só cobre a doença.