Epistemologia jornalística
Disponibilizo aqui o texto integral da comunicação que levei ao VII Congresso Lusófono de Ciências da Comunicação, em Santiago de Compostela. Mas para quem queira apenas, ou antes de mais, ficar com uma ideia geral do que lá se trata, o melhor ainda será ler a breve apresentação que dela fiz no próprio evento:
A minha comunicação corresponde, em síntese, a uma reiterada afirmação do primado da objectividade jornalística e dos valores de isenção e rigor que lhe andam associados.
Trata-se aqui, naturalmente, da objectividade possível e não de uma objectividade absoluta, que é, como se sabe, inacessível aos humanos. Mas como digo no meu texto, o facto da própria ciência não ascender a verdades absolutas não lhe retira objectividade. Com as devidas diferenças, assim será também no jornalismo.
Não parece, contudo, ser este o pensamento dominante no actual campo jornalístico português, tantos são os que contestam os valores de isenção e de rigor no jornalismo, ainda que estes continuem a figurar como deveres básicos nos códigos deontológicos que regem a actividade.
Fui à procura de declarações de jornalistas portugueses que se posicionam num certo “subjectivismo jornalístico” e encontrei três grandes tipos de argumentos:
O argumento mitológico - a objectividade é apenas um mito criado para o jornalismo aparentar uma competência que não tem.
O argumento perspectívico - não há objectividade, porque os jornalistas olham para realidade a partir de uma determinada perspectiva (que pode não ser a dos outros).
E o argumento limitativo - a objectividade é impossível devido às limitações do próprio jornalista (percepção, influência do seu sistema de valores, particular relação com o mundo, etc.).
São estes três principais argumentos que procuro desqualificar no meu texto, ao mesmo tempo que chamo a atenção para o perigo de poderem funcionar como verdadeira almofada teórica para justificar todos os excessos, desde logo, o da recusa de qualquer pretensão de objectividade jornalística.
É que num jornalismo sem objectividade, sem imparcialidade, sem isenção e rigor o jornalista poderia passar a dizer o que lhe viesse à cabeça, escrever sobre assuntos da sua exclusiva preferência ou interesse pessoal, cingir-se à realidade ou misturar ficção. Seria indiferente. Porque o leitor não teria nada a ver com isso. A voz de comando seria a de um critério jornalístico verdadeiramente à solta e sempre sujeito às mais subjectivas invocações.
Ora o mínimo que se pode dizer deste subjectivismo é que é perfeitamente absurdo. Porque se do ponto de vista de uma vida partilhada, a reacção do outro fosse completamente imprevisível, a própria vivência comunitária estaria em risco. E não está. Pelo menos, por esse motivo.
Se o verdadeiro ou o falso, o certo ou incerto, o bom ou o mau dependessem apenas da subjectividade de cada um, como conseguiriam os homens comunicar entre si? O caso extremo das preferências pessoais é talvez o mais elucidativo. Elas são evidentemente subjectivas, naquele sentido banal de que se reportam a sujeitos. Mas já não cognitivamente subjectivas, porque podem ser justificadas, podem ser compreendidas. Não valem todas a mesma coisa, não são igualmente aceitáveis, não são aleatórias.
Uma pessoa pode gostar de fumar, e outra, não. Provavelmente, uma valoriza mais o prazer e a descontracção que o fumo lhe proporciona, do que o mal que lhe faz à saúde e que não ignora. A outra, o inverso. Mas a decisão ou comportamento de cada uma, tem uma explicação objectiva. Não é tudo subjectivo, não é tudo aleatório, não é tudo irracional.
Acresce que se tudo fosse muito subjectivo, a própria afirmação de que tudo é muito subjectivo seria também ela muito subjectiva, auto-refutante, logo, racionalmente inoponível a quem dela discordasse, já que a partir daí deixaria de haver qualquer razão ou fundamento para se poder considerar uma afirmação, qualquer afirmação, como melhor ou pior do que outra. E é para este beco sem saída que a recusa da objectividade acaba por nos lançar.
Por aqui se vê como o subjectivismo jornalístico assenta numa ideia tão errada como prejudicial. Num tempo em que, pela perversão mediática das tiragens ou das audiências, o jornalismo está sujeito a uma cada vez maior descaracterização, que estranha razão poderia levar o leitor a passar um cheque em branco a um jornalista que não respeitasse o princípio da objectividade, quando, precisamente por isso, a maior vigilância crítica o deveria submeter?
A recusa da objectividade jornalística não atenta, por isso, apenas contra os direitos do leitor mas também contra a sua boa-fé. E isso, convenhamos, não é coisa que se faça.
A minha comunicação corresponde, em síntese, a uma reiterada afirmação do primado da objectividade jornalística e dos valores de isenção e rigor que lhe andam associados.
Trata-se aqui, naturalmente, da objectividade possível e não de uma objectividade absoluta, que é, como se sabe, inacessível aos humanos. Mas como digo no meu texto, o facto da própria ciência não ascender a verdades absolutas não lhe retira objectividade. Com as devidas diferenças, assim será também no jornalismo.
Não parece, contudo, ser este o pensamento dominante no actual campo jornalístico português, tantos são os que contestam os valores de isenção e de rigor no jornalismo, ainda que estes continuem a figurar como deveres básicos nos códigos deontológicos que regem a actividade.
Fui à procura de declarações de jornalistas portugueses que se posicionam num certo “subjectivismo jornalístico” e encontrei três grandes tipos de argumentos:
O argumento mitológico - a objectividade é apenas um mito criado para o jornalismo aparentar uma competência que não tem.
O argumento perspectívico - não há objectividade, porque os jornalistas olham para realidade a partir de uma determinada perspectiva (que pode não ser a dos outros).
E o argumento limitativo - a objectividade é impossível devido às limitações do próprio jornalista (percepção, influência do seu sistema de valores, particular relação com o mundo, etc.).
São estes três principais argumentos que procuro desqualificar no meu texto, ao mesmo tempo que chamo a atenção para o perigo de poderem funcionar como verdadeira almofada teórica para justificar todos os excessos, desde logo, o da recusa de qualquer pretensão de objectividade jornalística.
É que num jornalismo sem objectividade, sem imparcialidade, sem isenção e rigor o jornalista poderia passar a dizer o que lhe viesse à cabeça, escrever sobre assuntos da sua exclusiva preferência ou interesse pessoal, cingir-se à realidade ou misturar ficção. Seria indiferente. Porque o leitor não teria nada a ver com isso. A voz de comando seria a de um critério jornalístico verdadeiramente à solta e sempre sujeito às mais subjectivas invocações.
Ora o mínimo que se pode dizer deste subjectivismo é que é perfeitamente absurdo. Porque se do ponto de vista de uma vida partilhada, a reacção do outro fosse completamente imprevisível, a própria vivência comunitária estaria em risco. E não está. Pelo menos, por esse motivo.
Se o verdadeiro ou o falso, o certo ou incerto, o bom ou o mau dependessem apenas da subjectividade de cada um, como conseguiriam os homens comunicar entre si? O caso extremo das preferências pessoais é talvez o mais elucidativo. Elas são evidentemente subjectivas, naquele sentido banal de que se reportam a sujeitos. Mas já não cognitivamente subjectivas, porque podem ser justificadas, podem ser compreendidas. Não valem todas a mesma coisa, não são igualmente aceitáveis, não são aleatórias.
Uma pessoa pode gostar de fumar, e outra, não. Provavelmente, uma valoriza mais o prazer e a descontracção que o fumo lhe proporciona, do que o mal que lhe faz à saúde e que não ignora. A outra, o inverso. Mas a decisão ou comportamento de cada uma, tem uma explicação objectiva. Não é tudo subjectivo, não é tudo aleatório, não é tudo irracional.
Acresce que se tudo fosse muito subjectivo, a própria afirmação de que tudo é muito subjectivo seria também ela muito subjectiva, auto-refutante, logo, racionalmente inoponível a quem dela discordasse, já que a partir daí deixaria de haver qualquer razão ou fundamento para se poder considerar uma afirmação, qualquer afirmação, como melhor ou pior do que outra. E é para este beco sem saída que a recusa da objectividade acaba por nos lançar.
Por aqui se vê como o subjectivismo jornalístico assenta numa ideia tão errada como prejudicial. Num tempo em que, pela perversão mediática das tiragens ou das audiências, o jornalismo está sujeito a uma cada vez maior descaracterização, que estranha razão poderia levar o leitor a passar um cheque em branco a um jornalista que não respeitasse o princípio da objectividade, quando, precisamente por isso, a maior vigilância crítica o deveria submeter?
A recusa da objectividade jornalística não atenta, por isso, apenas contra os direitos do leitor mas também contra a sua boa-fé. E isso, convenhamos, não é coisa que se faça.
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