27 abril 2006

Excerto de um livro não anunciado (308)

Ensina Perelman, ao distinguir entre demonstração e argumentação, que esta última só tem lugar quando não é possível “estabelecer uma relação entre a verdade das premissas e a da conclusão” (*) e, consequentemente, não dispomos de uma linguagem formal de natureza lógico-matemática que nos permitisse demonstrar o carácter necessário de uma dada solução. De resto, mesmo que, por mera hipótese, pudéssemos recorrer a um mecanismo de inferência puramente formal, ainda assim, do nosso interlocutor não se poderia nunca dizer que fora persuadido, pois os factos, as noções e as regras de raciocínio ou de cálculo constituintes da própria demonstração, tornariam automaticamente evidente o caminho a seguir, na direcção da única decisão certa possível. Estaríamos, portanto, perante uma situação em que a palavra e o conceito para que esta sempre remete seriam suficientes por si só para se imporem a uma outra mente racional. Sabemos, porém, que na argumentação a palavra ou, dito de outro modo, as premissas, as razões invocadas e as provas fornecidas pelo orador não têm a força nem o rigor do cálculo matemático, pelo que nunca poderiam conduzir à evidência, à necessidade ou à verdade única. Logo, diferentemente do que se passa na demonstração, a palavra da argumentação é uma palavra fraca e insegura que, à partida, legitima todas as dúvidas. Há então boas razões para daqui se inferir que se essa fraca palavra argumentativa (logos) ainda assim triunfa, é porque na específica situação de comunicação em que tem lugar, conta com um quid de afirmação que lhe é adicionado no momento em que se encontra com um ethos e com um pathos que se mostram favoráveis à sua aceitação.

(*) Chaim Perelman, (1993), O império retórico, Porto: Edições ASA, p. 21