07 maio 2006

A pergunta fatal


"Freitas cansado no MNE" (*) é um excelente título. Porquê? Porque é uma frase curta, apelativa e está em conformidade com o conteúdo da entrevista, ao contrário do que referem o entrevistado e o próprio Primeiro Ministro. O desmentido destes últimos, aliás, não passará de uma derradeira tentativa de defender ou preservar ainda interesses igualmente meritórios mas que não coincidem com os da objectividade jornalística.

O ministro não se declarou cansado? Não especificou que o cansaço lhe advém das viagens e, mais ainda, dos seus dias inteiros de trabalho no Ministério? Não quer isso dizer que temos um ministro cansado no MNE? Afinal, onde é que o jornal extrapolou? (Atente-se que o título é "Freitas cansado no MNE" e não "Freitas cansado do MNE").


Mário Mesquita escreve hoje no Público que o Expresso insinuou "nas entrelinhas de um título de primeira página" a eventual saída de Freitas do Governo. Mas com o devido respeito a tão notável cronista (e que é muito), se alguma insinuação existiu (e admito que sim) ela partiu das próprias declarações do ministro e não do jornalista ou do jornal. Claro que é bem possível que um ou outro órgão de informação se tenha excedido ao interpretar a notícia e o próprio título do Expresso, mas isso é, seguramente, um outro assunto.

O mais curioso é que tanto Freitas como Sócrates se queixem do título e da síntese da primeira página, mas já não do corpo da entrevista que no comunicado do primeiro chega a ser classificada como uma entrevista leal e franca. E isto porque, se virmos bem, toda a polémica foi despoletada por Cândida Pinto quando, no decorrer da entrevista (**), brindou Freitas do Amaral com uma pergunta de antologia:

Era importante para si estar nesta função durante a Presidência de Portugal na União Europeia, no segundo semestre de 2007?

Do ponto de vista da jornalista, ela não tem dúvida de que é notícia ficar a saber se o próprio Freitas admite vir a sair a curto prazo do Governo. Mas está perante um entrevistado de gabarito, com enorme traquejo político, que jamais lhe responderia directamente. Cândida Pinto tenta então (e com o sucesso que se viu) uma pergunta indirecta e cheia de "arte". Uma pergunta que parece veicular mais curiosidade pelo estado de alma que invadiria Freitas no caso de não se manter em funções, do que pela própria situação política objectiva. Foi aqui que o ministro "escorregou", respondendo o que lhe ia no pensamento, sem cuidar que enquanto se pronunciasse sobre o que era ou não importante para si mesmo, fatalmente "deixaria cair", mesmo sem o desejar, alguma informação de interesse geral para o país. E foi o que foi:

A minha resposta para ser muito sincero é: sim e não. Sim, porque a Presidência da União Europeia é sempre uma experiência extraordinariamente enriquecedora, embora cansativa.(...)

Ora ao responder a uma pergunta destas, Freitas do Amaral está, desde logo, a admitir a possibilidade de já não ser MNE daqui a um ano. Só não revela o(s) motivos(s). Logo, a pergunta não poderia ter sido mais oportuna. Por outro lado, quando alude, de novo, ao cansaço, depois de já se ter queixado das viagens cansativas, dos problemas de coluna e de chegar ao fim do dia "completamente estoirado", Freitas do Amaral não só dá a entender que está "cansado no MNE" (título do Expresso) como até antecipa uma inequívoca conformação perante a hipótese de não vir a presidir à União Europeia: "Já estou na vida política há 32 anos, já fiz praticamente tudo aquilo que se pode fazer". Que mais precisaríamos de saber?

(*) Expresso, 06 Maio 2006
(**) Revista "Única", Expresso, 06 Maio 2006