A Psicanálise vista por dentro
De todos os textos publicados na imprensa deste fim-de-semana a propósito dos 150 anos do nascimento de Freud, o meu destaque vai para o artigo da jornalista Alexandra Lucas Coelho, na "Pública" de ontem, e muito especialmente para o qualificado depoimento que recolheu de António Pinho Vargas, conhecido músico e professor universitário que, sabe-se agora, andou a deitar-se no divã 45 minutos de cada vez, várias vezes por semana, durante seis anos. É desse artigo que passo a transcrever algumas passagens (apenas os títulos são meus), por me parecerem excelentes contributos para uma mais lúcida compreensão da chamada retórica psicanalítica.
Mergulhar é difícil
"Era tratar coisas que me causavam sofrimento, mas nada que eu quisesse ocultar. Não considerei isso um traço de menoridade." O facto de o psicanalista necessariamente já ter sido psicanalisado - requisito para o acesso à profissão - é fundamental. "Eles próprios já se colocaram naquele lugar. Não é: 'Eu sou o neurótico e ele o detentor da saúde', embora muitas vezes sejam esses os termos durante o diálogo. "Mas a ausência de embaraço, e o saber que o analista sentado por trás da sua cabeça (voz sem rosto, muitas vezes apenas "hum-hum") também já teve um analista sentado por trás da sua cabeça, não tornam mais fácil o mergulho." O início de uma análise é de extrema violência. Sei isso por mim e por amigos. Em quatro casos que conheço, as pessoas não aguentaram mais que dois meses, meio ano. Como eu já estava a fazer análise há certo tempo, vinham falar comigo. Por vezes, eu antecipava-me e dizia: 'E então ele disse isto .. .''' Normalmente acertava.
A “técnica” do psicanalista
"A partir de certa altura, percebe-se o núcleo central daquele diálogo, daquela 'cura pela fala', que na verdade é um longo monólogo seguido de dois ou três comentários. Esses comentários é que têm uma técnica. O esforço do analista consiste em trazer para a relação com o paciente - que é estranha, porque não nos vemos - aquilo que na vida de fora o incomoda. Tudo se transforma em conflito trazido para a análise. Às vezes a maneira como isso é feito parece forçada, ridícula, e, a partir de certa altura, previsível." A própria dúvida em relação ao que se está a fazer é integrada. "Interpretam-na como resistência." Para Pinho Vargas este período foi um "combate psicológico", de acordo com o que será desejo dos analistas. "A pessoa é forçada a olhar para as partes mais feias de si, a que eles chamam 'doentes'".
Pensar algo que até aí não tinha sido pensado
"Eles [os psicanalistas] tentam estabelecer um combate interno entre partes 'saudáveis' e partes 'doentes'. Isso provoca sofrimento. Mas também pensamento, que é o que eles pretendem. Por isso usam muito a palavra elaborar. A pessoa tem que fazer um esforço para compreender algo da sua vida ou da relação com o exterior, pensar algo que até aí não tinha sido pensado."Por exemplo: "O momento em que senti qualquer coisa que censurei fortemente. Esse pensamento que recalcamos é trazido e elaboramos sobre a sua razão de ser."
Valerá a pena?
"Vejo a minha experiência de forma positiva, mas não quer dizer que tenha uma visão globalmente positiva da análise. É um conjunto de procedimentos que se aplica a seja quem for. A mim fez bem, ajudou-me a pensar, mas quando se aplica uma técnica sempre igual o lado positivo reside no paciente. Na minha análise aconteceram problemas que interpretei como rigidez da analista. Deram discussão violenta, com respostas dela como: 'Você põe-me a saltar da cadeira!' Eu dizia-lhe: 'No seu caso já tinha deixado esta profissão!', o que é um ataque ferocíssimo. E o vice-versa era ferocíssimo." Pinho Vargas dissuadiu, então, alguns conhecidos - por terem "uma fragilidade que não ia aguentar", ou porque "o problema era demasiado complexo e aquilo ia fazer pior" - de experimentarem.
Sem saída
"O que acontece dentro [de uma análise] é que uma pessoa se sente sem saída. Se digo que estou com sono ou me atrasei no trânsito isso pode ser psicanalisado. Então começa-se a perceber que o melhor é entrar na associação livre dos sonhos, que, sendo uma construção do inconsciente, são material propício. As melhores sessões eram aquelas em que eu levava um sonho para contar."
Uma análise que nunca termina
E "demorou muito a compreender" que lhe cabia "pôr fim â coisa", ou seja, encerrar a análise. Pensou "uma ou duas vezes" na hipótese de repetir (outra análise, com outro analista) e concluiu que "não era necessário". Sendo que faz parte do que aprendeu saber que uma análise nunca termina. "Cada pessoa prossegue-a sozinha". E agora, seis anos depois de ter deixado as sessões, defende uma "lógica binocular" no confronto da psicanálise com as neurociêncías. Porque se os "médicos-médicos que confiam nos fármacos e consideram a psicanálise uma aldrabice" são dogmáticos, também o são os psicanalistas que consideram a psicanálise como único meio para o fundo dos problemas. "Quando há um texto sagrado, e neste caso é Freud, cria-se um conjunto de exegetas que interpretam e reinterpretam e há uma ideia que cristaliza."
Mergulhar é difícil
"Era tratar coisas que me causavam sofrimento, mas nada que eu quisesse ocultar. Não considerei isso um traço de menoridade." O facto de o psicanalista necessariamente já ter sido psicanalisado - requisito para o acesso à profissão - é fundamental. "Eles próprios já se colocaram naquele lugar. Não é: 'Eu sou o neurótico e ele o detentor da saúde', embora muitas vezes sejam esses os termos durante o diálogo. "Mas a ausência de embaraço, e o saber que o analista sentado por trás da sua cabeça (voz sem rosto, muitas vezes apenas "hum-hum") também já teve um analista sentado por trás da sua cabeça, não tornam mais fácil o mergulho." O início de uma análise é de extrema violência. Sei isso por mim e por amigos. Em quatro casos que conheço, as pessoas não aguentaram mais que dois meses, meio ano. Como eu já estava a fazer análise há certo tempo, vinham falar comigo. Por vezes, eu antecipava-me e dizia: 'E então ele disse isto .. .''' Normalmente acertava.
A “técnica” do psicanalista
"A partir de certa altura, percebe-se o núcleo central daquele diálogo, daquela 'cura pela fala', que na verdade é um longo monólogo seguido de dois ou três comentários. Esses comentários é que têm uma técnica. O esforço do analista consiste em trazer para a relação com o paciente - que é estranha, porque não nos vemos - aquilo que na vida de fora o incomoda. Tudo se transforma em conflito trazido para a análise. Às vezes a maneira como isso é feito parece forçada, ridícula, e, a partir de certa altura, previsível." A própria dúvida em relação ao que se está a fazer é integrada. "Interpretam-na como resistência." Para Pinho Vargas este período foi um "combate psicológico", de acordo com o que será desejo dos analistas. "A pessoa é forçada a olhar para as partes mais feias de si, a que eles chamam 'doentes'".
Pensar algo que até aí não tinha sido pensado
"Eles [os psicanalistas] tentam estabelecer um combate interno entre partes 'saudáveis' e partes 'doentes'. Isso provoca sofrimento. Mas também pensamento, que é o que eles pretendem. Por isso usam muito a palavra elaborar. A pessoa tem que fazer um esforço para compreender algo da sua vida ou da relação com o exterior, pensar algo que até aí não tinha sido pensado."Por exemplo: "O momento em que senti qualquer coisa que censurei fortemente. Esse pensamento que recalcamos é trazido e elaboramos sobre a sua razão de ser."
Valerá a pena?
"Vejo a minha experiência de forma positiva, mas não quer dizer que tenha uma visão globalmente positiva da análise. É um conjunto de procedimentos que se aplica a seja quem for. A mim fez bem, ajudou-me a pensar, mas quando se aplica uma técnica sempre igual o lado positivo reside no paciente. Na minha análise aconteceram problemas que interpretei como rigidez da analista. Deram discussão violenta, com respostas dela como: 'Você põe-me a saltar da cadeira!' Eu dizia-lhe: 'No seu caso já tinha deixado esta profissão!', o que é um ataque ferocíssimo. E o vice-versa era ferocíssimo." Pinho Vargas dissuadiu, então, alguns conhecidos - por terem "uma fragilidade que não ia aguentar", ou porque "o problema era demasiado complexo e aquilo ia fazer pior" - de experimentarem.
Sem saída
"O que acontece dentro [de uma análise] é que uma pessoa se sente sem saída. Se digo que estou com sono ou me atrasei no trânsito isso pode ser psicanalisado. Então começa-se a perceber que o melhor é entrar na associação livre dos sonhos, que, sendo uma construção do inconsciente, são material propício. As melhores sessões eram aquelas em que eu levava um sonho para contar."
Uma análise que nunca termina
E "demorou muito a compreender" que lhe cabia "pôr fim â coisa", ou seja, encerrar a análise. Pensou "uma ou duas vezes" na hipótese de repetir (outra análise, com outro analista) e concluiu que "não era necessário". Sendo que faz parte do que aprendeu saber que uma análise nunca termina. "Cada pessoa prossegue-a sozinha". E agora, seis anos depois de ter deixado as sessões, defende uma "lógica binocular" no confronto da psicanálise com as neurociêncías. Porque se os "médicos-médicos que confiam nos fármacos e consideram a psicanálise uma aldrabice" são dogmáticos, também o são os psicanalistas que consideram a psicanálise como único meio para o fundo dos problemas. "Quando há um texto sagrado, e neste caso é Freud, cria-se um conjunto de exegetas que interpretam e reinterpretam e há uma ideia que cristaliza."
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