12 setembro 2006

A retórica da fraude

O secretário de Estado-adjunto e da Administração Local é formado em Direi­to, mas não se coíbe de ameaçar várias autarquias com as consequências de uma lei que ainda não existe. Eduardo Cabrita fala da "nova Lei das Finanças Lo­cais", quando deveria falar da futura Lei e diz que essa Lei proíbe, quando de­veria dizer que vai proibir. Não é coisa pouca, é tudo. E é mais mais ainda porque a fa­mosa Lei de que fala Eduardo Cabrita pode nem sequer vir a existir. É a lei da vida para qualquer projecto ou proposta de lei. Se o Parlamento não quiser que passe a lei, não passa. O secretário de Estado sabe que é assim, mas como o que quer é apenas atacar autarquias do PSD já toma como certo o incerto da política. Alega o governante, e pode ficar a discutir isso com outros juristas que ao povo pouco importa, que tecnicamente pode falar-se "em fraude à nova lei". A Associação Nacional de Municípios diz que a antecipação de receitas ou venda de créditos futuros não é ilegal à luz da actual lei e isto sim, é tudo. É à lei que os autarcas devem obediência e não ao secretário de Estado que os tute­la. Nem sequer é preciso saber Direito.

Paulo Baldaia, JN, 12 Setembro 2006

Não sei se este secretário de Estado quis ou não atacar (apenas) autarquias do PSD. Mas que exagerou, exagerou. Compreende-se (eu compreendo) que lhe desagrade ver alguns autarcas recorrerem a um mecanismo de gestão que o governo se prepara para impedir por lei. Mas vir, antes disso, a público, lançar a populista atoarda de um crime impossível, não contribui em nada para a sua credibilidade. Corre até o risco de vir a ser lembrado por isso. A retórica tem este senão: pode-se voltar contra si mesma. Foi o caso.