11 outubro 2006

A traição das palavras

Na sua crónica de ontem, no Público, Eduardo Prado Coelho disserta sobre as duas modalidades da culpa. A subjectiva - o que sabemos que fizemos e que gostaríamos de não ter feito; e a objectiva - a culpa de que os outros falam e se tornou uma realidade social. Digamos que esta arrumação definicional tem o seu quê de controverso mas também não é isso que está em questão pois rapidamente se percebe que do que o professor quer falar é da longa ausência da rádio de Sena Santos, outrora responsável pelas muito informativas manhãs da Antena 1. E quer, antes de tudo, defender o seu rápido regresso aos microfones.

É natural, por isso, que termine a sua crónica com uma série de elogios ao conhecido homem da rádio:

"Ninguém era capaz de falar com tanta facilidade e desenvoltura de cinema ou ópera, de futebol ou política, de questões locais ou dos grandes problemas internacionais. E não conheço ninguém capaz de suscitar ao microfone aquela espécie de ritmo contagiante que era a grande marca radiofónica de Sena Santos. Espero ouvi-lo muito em breve - porque o jornalismo radiofónico precisa de gente assim"

Mas já não parece nada natural que, imediatamente antes, tenha associado o jornalista a uma grande trapalhada que, adianta, não será ele quem vai deslindar e que diga saber apenas que Sena Santos tinha cometido actos de inegável gravidade, inclusive, recorrendo a verdadeira extorsão de dinheiro. Confesso que não percebi a intenção. Acredito que para todos os que têm o privilégio de privar de perto com Prado Coelho, a sua crónica tenha tido apenas um grande objectivo: o de apelar ao regresso de Sena Santos à rádio, tendo em conta as suas altas qualidade profissionais. Mas talvez que para a generalidade dos leitores que só podem contar com o texto, o que lá está objectivamente escrito ou aludido, pareça mais uma "entrega" do que uma "redenção". E se assim foi, falhou o alvo.

A minha assistente, por exemplo, que estava a ler a crónica ao mesmo tempo que eu, quando chegou ao fim, logo exclamou: mas isto é um elogio ou uma denúncia pública? Só nesse momento me dei conta de que há muito conheço o trabalho de Sena Santos mas nunca lera nem ouvira nada de menos abonatório quanto ao seu comportamento pessoal. Foi preciso que Prado Coelho o anunciasse ao mundo, no seu Fio do Horizonte. Logo, não há dúvida de que, para mim (e para quantos mais?), a novidade residiu nos alegados actos censuráveis do jornalista. É quanto basta para concluir que a crónica terá acabado por funcionar mais como denúncia pública do que como elogio. Seguramente que não foi essa a intenção de Prado Coelho. Mas foi o que ficou no texto. As palavras, de resto, são assim. Por vezes, atraiçoam mesmo quem as trata por tu. Acontece aos melhores.