14 maio 2007

Excerto de um livro não anunciado (375)

É neste regime de totalidade em que inteligência, espírito, liberdade, movimento, sensibilidade, afecto e emoção permanecem como registos inseparáveis no ser humano que poderemos olhar, quer a indução hipnótica quer a persuasão pelo discurso, como passagem de um desses registos a outro. De resto, no caso especial da retórica, sabemos como esta nunca é nem a expressão de uma verdade pura, nem sequer o domínio do certo ou incerto, do correcto ou do incorrecto, mas sim do plausível e consensual. Que sentido teria, então, valorizar as premissas de uma argumentação à luz deste último critério (consenso) se ao mesmo tempo se desvalorizassem os usos e efeitos da sugestão ou sedução, mesmo quando do agrado geral do auditório? “A racionalidade mergulha as suas raízes naquilo a que os fenomenólogos chamam o mundo da vida” (*). Não há propriamente uma ruptura entre o intelecto e a emoção. Seguindo de perto a feliz expressão de Innerarity, nem a paixão e o prazer estão fora da razão, nem o exercício da inteligência é uma disciplina insuportável (**). Parece-nos, pois, que a desejável dimensão crítica da retórica em nenhum caso deve degenerar numa discutibilidade estritamente intelectualizada, sob pena de se cair numa logicização do homem em muito idêntica à mera categorização das coisas. E, no entanto, em nosso entender, seria a isso que nos conduziria a retirada da emoção, da sugestão e da sedução do interior de todo e qualquer processo argumentativo.

(*) Daniel Innerarity, (1996), A Filosofia como uma das Belas Artes, Lisboa: Editorial Teorema, Lda., p. 15
(**) Ibidem, p. 24