25 maio 2007

Excerto de um livro não anunciado (376)

A distinção entre retórica e indução hipnótica não se centra, por isso, numa diferença de natureza do respectivo processo de comunicação que, em muitos casos, é igualmente verbal, persuasivo, metafórico, analógico, repetitivo e redutor do campo de consciência do ouvinte. Notemos, aliás, que a própria argumentatividade retórica está sempre mais ou menos presente na indução hipnótica quer quando o hipnoterapeuta justifica e debate com o paciente (ainda no estado de vigília) as razões ou motivos porque este deve submeter-se à hipnose (fase da argumentação propriamente dita), quer quando o seu discurso persuasivo não obtém a resposta pretendida ao nível da respectiva somatização ou ainda, quando se expõe à recusa do paciente em aceitar algum dos seus comandos (no limite, quando estes violem o seu código moral). Em qualquer destas situações, o hipnoterapeuta pode ser confrontado com os contra-argumentos do paciente, com a sua resistência à modificação de atitude e comportamento visados pela indução. O mesmo se diga quanto ao predomínio do carácter monológico na comunicação hipnótica, pois se, por um lado, o paciente mergulha num estado de cada vez maior passividade, por outro, mantém e desenvolve uma espécie de comunicação interna (*) que ditará a sua reacção última às instruções hipnóticas, ainda que no domínio não verbal. Algo de semelhante se passa na retórica, como, por exemplo, no caso de um discurso epidíctico ou numa palestra pública: o auditório escuta muito mais do que fala mas sem que deixe alguma vez de reagir (comunicar), quer mentalmente, quer também exteriormente, ao nível da postura física, do gesto ou da expressão facial.

(*) Jean Adrian sustenta que a hipnose permite uma comunicação interna, entre o consciente e o inconsciente (Adrian, J. "L’hypnose, outil de communication interne", in Michaux, D. (Org.), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, 1998, p. 128). Pela nossa parte, contudo, utilizamos aqui a mesma expressão mais no sentido perelmaniano de uma comunicação do sujeito consigo próprio assente no diálogo interior que, regra geral, antecede a deliberação íntima.