06 março 2005

Excertos de um livro não anunciado (223)

Para Aristóteles, com efeito, “a interrogação dialéctica, longe de ser um verdadeiro processo de questionamento, é na realidade a colocação à prova de uma tese provável para toda a gente, para a maioria, ou para os sábios” (*). Segundo o velho filósofo não nos interrogamos sobre o problemático: apenas discutimos teses opostas. Uma vez obtida a respectiva adesão, a tese aprovada ou escolhida constituir-se-ia como resposta ou afirmação exclusiva. O termo do processo retórico ficaria a assinalar igualmente o fim de toda a problematicidade ou alternativa. “Parece mesmo que o ideal proposicional se perpetua. Trata-se de chegar, tanto quanto possível, a uma proposição que exclua o seu contrário, esperando que a ciência possa decidir apodicticamente, quer dizer, com toda a precisão. Não é portanto o problemático que é preciso conceptualizar, mas as respostas que não o são e que gostaríamos muito que o fossem. A retórica seria como que um paliativo da lógica, aquilo que, à falta de melhor, utilizamos para responder com probabilidade, quer dizer, como verdade exclusiva, proposicional. É uma solução de expectativa. Mas se pretendermos julgar os problemas da lógica pela medida daquilo que impede de os tratar como problemas, como alternativas, com A e não-A como co-presentes, talvez nos arrisquemos a condenar a retórica uma vez mais medindo-a por aquilo que ela não é e em relação ao qual é nitidamente inferior nos seus resultados. O que será mais eficaz para afirmar uma proposição do que a lógica, que conclui com toda a precisão?” (**).

(*) Meyer, M., (1998), Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., p. 29
(**) Idem