04 abril 2005

Ai se o povo soubesse

O discurso político da "verdade" é uma falácia. Esse discurso supõe, sim, uma simulação da verdade, ou melhor, um pacto entre o orador e o povo que o escuta, em que este finge que acredita, dando-se uma margem de aceitação do erro possível. O povo sabe que o discurso visa apenas a verosimilhança - e abre um espaço de simulação destinado a ser ocupado pela crença, pela adesão efectiva.

José Gil, Courrier Internacional, Edição portuguesa N.º 0, 11 Abril 2005


Sim, o politiqueiro apregoar "da verdade" será uma falácia. Sim, o discurso político pressupõe uma simulação da verdade (ao menos, do lado do orador). Mas de onde se deduz que "o povo sabe que o discurso visa apenas a verosimilhança"? José Gil parece achar isto tão evidente que não avança com qualquer explicação ou fundamento.

A minha hipótese, porém, vai justamente em sentido contrário. É precisamente porque o povo não sabe que o discurso político visa apenas a verosimilhança, que se deixa enganar uma e outra vez (mas não eternamente, é óbvio). Absorvido pela luta diária da sobrevivência, o povo não tem condições nem disponibilidade para aferir as tentadoras propostas com que lhe acenam. Em tempo de eleições, não avalia nem fiscaliza. Apenas escolhe e confia. Numa retórica em que a credibilidade (e a autoridade) dos principais actores políticos deixa pouco espaço à sua própria mensagem, o auditório tende a dar como verdadeiro o discurso daqueles em quem simplesmente acredita. Ora é neste registo do "verdadeiro" que os políticos podem aspirar a uma certa estabilidade da sua base eleitoral e não no da "verosimilhança", logicamente mais vulnerável ao questionamento crítico. Ai se o povo soubesse que o discurso político visa apenas a "verosimilhança"...