22 maio 2005

Blogues de causa: sim ou não?

Pacheco Pereira (mais uma vez) abriu as "hostilidades" ao criar o Sítio do Não para promover o debate sobre a Constituição Europeia. Muito saudavelmente os responsáveis do Tugir responderam com o Sítio do Sim. Louvem-se as duas iniciativas pelo capital de esclarecimento que, por certo, irão trazer à blogosfera.

Mas do ponto de vista de uma retórica verdadeiramente crítica, é pena que não se possa ir um pouco mais além. Porque nos termos em que estão anunciados - e ainda que seja outra a intenção dos seus promotores - é muito possível que os dois sítios tendam a funcionar mais como propaganda de uma decisão já tomada, do que como centros de reflexão e escrutínio crítico para descobrir a melhor resposta ou melhor solução. Ou seja, não haverá propriamente questão alguma por resolver mas antes uma convicção que se pretende fazer partilhar ou impor (e já não reavaliar, muito menos, pôr em crise).

Logo, por mais diferentes que se revelem nas opções e nos fundamentos, os dois blogues serão sempre dois blogues de causas. E sabe-se como a lógica de causa se esquiva da argumentação crítica, na medida em que passa por cima da escolha e da valoração da própria causa que lhe dá origem. A lógica da causa não é, pois, uma lógica da questão ou do problema: é a lógica da resposta e da solução. O que não só não favorece a invenção como afasta as eventuais alternativas. Passe o trocadilho, a causa não está em causa. É reconhecida, a priori, como uma boa causa e isso é quanto basta para justificar a respectiva argumentação.

Mas foi precisamente esta inversão do sentido argumentativo que Olivier Reboul criticou duramente pois, segundo ele, "o critério supõe que o valor da causa seja conhecido antes da argumentação encarregada de estabelecê-lo: o que equivale a julgar antes do processo, a eleger antes da campanha eleitoral, a saber antes de aprender. Não existe dogmatismo pior" (*).

Dir-se-á que não é por um blogue se chamar Sítio do Não que fica impedido de analisar as consequências mais vantajosas do Sim (ou vice versa). Pois não. Mas a questão não é essa. A questão é que, por definição, o Sítio do Não é o sítio dos que já decidiram votar Não, tal como o Sítio do Sim é o dos que já decidiram votar Sim. Pergunta-se então: o que há para argumentar nos dois sítios se os participantes em cada cada um dos blogues já estão todos de acordo? Alguém acredita que um blogue em que o Não é consensual vai perder tempo a debater ou aprofundar os argumentos favoráveis ao Sim? Não seria isso um atentado à economia da atenção, do pensamento e dos próprios interesses?

Entendamo-nos: um blogue de causa não visa, em primeira linha, descobrir a verdade, nem tão pouco a melhor solução. Um blogue de causa orienta-se, sobretudo, para a produção do resultado previamente definido e só esse, mesmo quando reproduz alguns textos ou opiniões contrárias. Pouco importa até que sejam muito diferentes as razões que levam cada qual a aderir à mesma causa. O grande objectivo é conseguir o maior número de adesões e não tanto sujeitar o Sim ou o Não (conforme o caso) ao teste de uma genuína contra-argumentação. O que levanta desde logo o problema dos que ainda não se decidiram nem pelo Sim nem pelo Não. Para que lado deveriam cair?

Seria por isso desejável que se fosse um pouco mais além da criação de um blogue do Sim e de outro blogue do Não - em que cada um defende a sua própria ideia sobre a Constituição Europeia - e surgisse um único blogue mais abrangente, que poderia chamar-se, por exemplo, o Sítio do Sim ou Não, onde fosse acolhidos testemunhos e participações de ambos os lados. Tudo em nome de um confronto dialéctico mais esclarecedor e informativo, mas, sobretudo, de decisões criticamente avaliadas. Como seguramente desejam os distintos criadores dos dois sítios.

(*) Reboul, Olivier, (1998), Introdução à Retórica, S. Paulo: Martins Fontes, p. 99