26 maio 2005

Excertos de um livro não anunciado (235)

A retórica aparece-nos então como lugar de encontro do eu com o outro, onde os sujeitos se constituem reciprocamente, no quadro de uma “intersubjectividade na qual um Eu pode identificar-se com outro Eu, sem abandonar a não identidade entre ele e o seu outro” (*). Argumenta-se a favor ou contra uma tese, uma proposta. Mas em qualquer caso, cada participante é chamado a fazer uma escolha, a decidir sobre uma preferência, com base no critério da razoabilidade. O consenso que daí resulte, pode então ser visto como ascensão ao mundo da intersubjectividade, um mundo em que, segundo Sartre “o homem decide sobre o que ele é e o que são os outros” (**). A subjectividade a que apela a retórica não é pois a subjectividade de uma consciência individual que se debruça sobre si própria nem a de um eu “ontológico” pre-existente a toda a relação. Pelo contrário é na relação interaccional com o outro que ela se determina. Na medida em que a auto-consciência é sempre a “consciência de algo” o eu só é pensável na co-presença de um tu. Logo, dizer tu é estabelecermos uma ponte de nós para os outros. “Não é que apenas o ‘outro’ se implicite no mais rudimentar da nossa vida quotidiana, não é que apenas o exijamos nas mais elementares necessidades do dia a dia. Mas como conceber até um ‘eu’ se o não concebêssemos inexoravelmente num ‘tu’? Como imaginar a nossa individualização sem um ‘tu’ que a determine?” (***).


(*) Habermas, J., (1997), Técnica e ciência como ideologia, Lisboa: Edições 70, p. 36
(**) Sartre, J. e Ferreira, V.,(1978), O Existencialismo é um humanismo, Lisboa: Editorial Presença, p. 250
(***) Ferreira, V., II-Existencialismo, in Sartre, J. e Ferreira, V., (1978), O Existencialismo é um humanismo, Lisboa: Editorial Presença, p. 104