05 junho 2005

Excertos de um livro não anunciado (237)

Liberdade ou manipulação?

Ponto prévio: reflectir sobre o uso da retórica é sempre ir além da própria retórica. Com efeito, uma coisa é pensar a retórica como técnica argumentativa que visa persuadir uma ou mais pessoas, ou, como diz Breton, enquanto “meio poderoso de fazer partilhar por outrem uma opinião” (*). Outra, bem diferente, é saber se ela se presta ou não a usos indevidos que cerceiem a liberdade de pensamento e de escolha dos auditórios a que se apresenta. A retórica, vimo-lo já, é lugar e encontro de subjectividades, manifestação de uma racionalidade humana que não cabe nos estreitos limites da razão científica, mas é também e acima de tudo, um instrumento de persuasão. Não é pois negligenciável a hipótese de poder ser utilizada para enganar os outros segundo as conveniências ou interesses de cada um. Pode, inclusivamente, degenerar num modo mais ou menos insidioso de “tomar o poder, de dominar o outro, pelo discurso” (**). É isso que Platão denuncia quando (embora, a nosso ver, tomando a parte pelo todo) considera que a retórica, por ele identificada à adulação, “não tem o mínimo interesse em procurar o que seja o melhor, mas, sempre por intermédio do prazer, persegue e ludibria os insensatos, que convence do seu altíssimo valor” (***).


(*) Breton, P., (1998), A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, p. 13
(**) Reboul, A., (1998), Introdução à retórica, S. Paulo: Martins Fontes, p. XX
(***) Platão, (1997), Górgias, Lisboa: Edições 70, p. 61