17 julho 2005

Excerto de um livro não anunciado (247)

Poderíamos também ceder à tentação de classificar uma argumentação em função da causa por ela defendida. Nesse caso, a argumentação honesta seria a que sustentasse uma “boa” causa, o que imediatamente pressupõe que o valor da causa possa ser conhecido antes mesmo da argumentação que visa precisamente estabelecer tal valor. Como diz Reboul, isso seria o mesmo que “julgar antes do processo, eleger antes da campanha eleitoral, saber antes de aprender. Não existe dogmatismo pior” (*)

É por isso que este mesmo autor, considerando que a característica da boa argumentação não é suprimir o aspecto retórico - pois em nenhum caso uma argumentação inexpressiva se torna, só por isso, obrigatoriamente mais honesta - adianta dois critérios gerais a que se deve submeter a boa retórica:

1) Critério da transparência: - que o ouvinte fique consciente, ao máximo, dos meios pelos quais a crença está a ser modificada.

2) Critério de reciprocidade: - que a relação entre o orador e o auditório não seja assimétrica, para que fique assegurado o direito de resposta.

Respeitados tais critérios, Reboul considera que a argumentação não se torna por isso menos retórica, e sim mais honesta. Mas sem pôr em causa a eficácia destes dois critérios, parece evidente que o facto deles conterem os conceitos indeterminados que o ouvinte fique consciente ao máximo e não seja assimétrica sempre introduz uma significativa ambiguidade no momento da sua concretização. Por outro lado, pode acontecer também que a incompetência argumentativa do auditório, crie a ilusão de uma relação retórica desigual e leve a que se veja manipulação no orador quando, na realidade, essa desigualdade se fica a dever à insuficiente capacidade crítica revelada por aqueles a quem se dirige.

(*) Reboul, A., (1998), Introdução à retórica, S. Paulo: Martins Fontes, p. 99