Excerto de um livro não anunciado (252)
Culpar então a retórica, por induzir ao engano, parece tão absurdo como inscrever a origem da mentira na linguagem, só porque esta a veicula. No limite, mesmo considerando os mais grosseiros abusos de retórica, em que o orador recorre a um discurso emocionante, pleno de figuratividade estilística, de inebriantes sonoridades ou ritmos quase hipnóticos, ainda aí, haveria que interrogar se nos tempos que correm, as pessoas não estarão já suficientemente informadas e até “vacinadas” contra tais métodos de persuasão, nomeadamente, pela sua contínua exposição a um mercado onde imperam as técnicas de venda agressivas que chegam a coagir pela palavra, aos discursos demagógicos de políticos dirigidos mais para os votos do que para os eleitores e a uma publicidade que nem sempre olha a meios para invadir a privacidade e seduzir ao consumo o mais pacato e indefeso cidadão. Até que ponto, não existe mesmo, hoje em dia, um preconceito contra a retórica, frequentemente associada aos “bem falantes”? Não existirá na generalidade das pessoas uma ideia prévia de que quem se nos apresenta a falar muito bem é porque de maneira mais ou menos encoberta ou ilusionária nos pretende forçar a alguma coisa, a uma acção ou atitude potencialmente nefastas para nós e que portanto nos deve imediatamente remeter para uma redobrada atenção e cautela? Se assim for, não será caso para dizer que uma tal tendência se constitui como aviso automático ao candidato a manipulado, que desse modo tem o ensejo de mobilizar toda a sua força de decisão e capacidade crítica para recusa da respectiva proposta retórica, podendo até nem chegar a prestar-lhe a devida atenção? Haverá travão mais eficiente aos eventuais exageros ou abusos de um orador sem escrúpulos?
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