11 agosto 2005

Excerto de um livro não anunciado (251)

Convenhamos que não é a retórica que manipula, mas sim, o manipulador. E que se este se apodera do discurso e do debate para enganar ou prejudicar o seu interlocutor, então é porque, certamente, já era um manipulador antes de recorrer à retórica. A retórica não contamina ninguém. Nenhum homem é um, fora da retórica, e outro, quando recorre a ela. A atitude moral é uma das atitudes mais estáveis no sujeito humano. Nem surge de repente, como que por insight, nem se dá bem com sucessivas oscilações. Constrói-se paulatina e duradouramente na convivência social, no reconhecimento do outro e ao situar-se na esfera do íntimo, constitui porventura o principal traço da nossa identidade. É neste quadro de permanência da atitude moral que poderemos buscar o suporte e a ligação possível entre os actos e a pessoa que os pratica. E é também através dele que se pode inferir que, por regra, só manipula pela retórica, quem já é capaz de o fazer por qualquer outro meio.