07 agosto 2005

Uma ideia errada e perigosa

Esta ideia de que a amizade é irracional é uma ideia errada porque o facto da amizade se estabelecer num quadro de sentimentos e emoções não significa que esteja para lá da razão. Todos percebemos que não é por acaso que um amigo nos emociona. Para que uma palavra, um olhar ou um gesto nos surjam como amigáveis precisamos de submetê-los a uma espécie de prévia tradução interior (racional) que nos permita fixar o seu real significado. Porque a amizade só é coração se fizer sentido. Se não faz sentido ou não é amizade ou morrerá muito antes do coração deixar de sentir. Não surpreende, por isso, que, apesar de tudo, seja mais fácil romper uma amizade do que silenciar o sentimento e a emoção que lhe estavam associados. A amizade não é, pois, apenas coração ou apenas razão. A amizade é coração e intelecto. Acresce que deixou de fazer qualquer sentido falar de um "coração que se sobrepõe à razão" ou vice versa, pois há muito que António Damásio mostrou como os sentimentos e as emoções, tradicionalmente tidos como fontes de perturbação do raciocínio, são afinal decisivos para se chegar à melhor decisão racional.

Mas a ideia de que a amizade é irracional é também perigosa porque pode levar à disparatada e insuportável conclusão de que se deve defender os valores da amizade e da lealdade em nossa nossa casa, junto dos nossos amigos e compatriotas mas já não na política. É essa, pelos vistos, a posição de Pedro Rolo Duarte que, depois de confundir amizade com ineficácia e compadrios, chega ao absurdo de sugerir que a lealdade não tem lugar na política. E pelo caminho que a nossa vida política está a levar, nem vai precisar de insistir muito...