22 setembro 2005

Debater com moderação

Na sua crónica de ontem, no Público, Eduardo Prado Coelho denuncia a agressividade política, o mau gosto e a falta de pudor que alguns conhecidos candidatos às autárquicas têm exibido nesta pré-campanha eleitoral, mas logo adianta que o debate Carmona Rodrigues - Manuel Maria Carrilho também não foi bom exemplo. “Em primeiro lugar, porque os argumentos não se ouviram, esmagados pela gritaria em que foram envolvidos (…) Em se­gundo lugar, o público rejeita logo de entrada este tom violento, e prefere a serenidade inteligente de Maria José Nogueira Pinto, ou o tom inespe­radamente professoral de um excelentemente preparado Ruben de Carvalho.”

Realmente, nunca sei o que passa pela cabeça de candidatos culturalmente tão qualificados para, sem a menor cerimónia, descerem num ápice aos mais primitivos níveis de discussão. E já se sabe: quando não se pode contar com o bom-senso (e boa educação?) dos próprios candidatos, só mesmo um bom moderador nos pode salvar. Segundo Eduardo Prado Coelho, porém, também aí algo não terá corrido bem: o “simpático moderador foi demasiado simpático e pouco moderador. Não seria tarefa fácil, mas nas circunstâncias era imprescindível.”

Foi justamente por partilhar desta dupla preocupação (quanto à qualidade do debate e da própria moderação), que há dias saudei o João Paulo Menezes, do Blogouve-se, pelo seu oportuno post “Debater o debate” e lhe enviei também o seguinte comentário:

Do ponto de vista jornalístico, entendo que a primeira coisa a privilegiar em qualquer debate é a sua função, o seu principal objectivo, a sua razão de ser. Se o que está em causa é o esclarecimento e a adesão do eleitorado, o debate pré-eleitoral cumpre tanto melhor a sua função quanto mais informativo, dialéctico e persuasivo for. E isto não implica que se caia numa "seca", embora aqui tudo ou quase tudo dependa, obviamente, da capacidade oratória dos respectivos candidatos que, desse ponto de vista, são o que são e nunca o que o jornalista e o leitor, ouvinte ou telespectador gostariam que fossem. Mas é também para evitar essa "seca" que o moderador lá está, no cumprimento de uma missão muito ingrata mas para a qual dispõe, como se sabe, de alguns trunfos de que não pode nem deve abdicar.

Confesso que já não partilho a ideia de que o debate em que os candidatos falam uns sobre os outros seja um debate animado e divertido, como o parece admitir JPM (embora logo reconhecendo que aí se perde "uma parte significativa do que disseram, sendo que os ouvintes foram penalizados"). E isto porque o "falar sobre os outros" é sempre uma tentativa de calar os interlocutores, um passar da força da razão para a razão da força e, desde logo, uma desconsideração para o moderador e para o auditório. Dir-se-á, portanto, que se a dado momento de um debate começam todos a falar uns sobre os outros, aquilo a que a partir daí se passa a assistir pode ser muito emocionante ou espectacular, mas seguramente que já não será um debate.

Ora o moderador está lá justamente para assegurar o debate e não para permitir que descambe num espectáculo degradante, como tantas e tantas vezes acontece entre nós. Pessoalmente, prefiro a moderação que "deixa falar", que "não se vê" e que intervém só em última racio, para evitar os pontos mortos, para fazer um breve balanço das opiniões ou argumentos já lançados, para fazer pequenas perguntas ou introduzir novos temas no debate. Isto em condições normais. Mas quando o regime se altera para o "o falar sobre os outros" defendo uma moderação mais directiva que poderá ir das meras chamadas de atenção até à suspensão do próprio debate. Tudo ou quase tudo é preferível à anti-democrática estratégia de falar sobre os outros.

Tem razão JPM, portanto, quando prefere um debate com urbanidade e no respeito de regras mínimas (assim o interpreto) "em que se percebe tudo e sem agressões aos ouvintes" porque essa é a única opção que se enquadra com a função e o objectivo de um debate: o esclarecimento de diferentes propostas, ideias ou opiniões. Mas a pergunta "quanto tempo deve um interveniente poder falar sem que se torne maçador?" mais do que suscitar uma (impossível) resposta sugere o elevado índice de dificuldade e aventura que esperam o moderador de qualquer debate. Na moderação, como na retórica em geral, confrontamo-nos com idêntica perplexidade: assim como nunca é possível saber de antemão qual o argumento que se irá mostrar mais persuasivo – porque só a adesão ou não adesão do auditório o permitirá classificar (ou não) como tal – também nunca poderemos saber previamente quanto tempo deve um interveniente poder falar sem que se torne maçador - porque seria necessário esperar que ele se tornasse maçador para anotar o tempo durante o qual não maçara ninguém...