22 setembro 2005

Excerto de um livro não anunciado (258)

Desfeita a esperança de que a razão, a experiência ou a revelação, permitam chegar à resolução de todos os problemas, os homens são chamados a deliberar sobre os valores e as normas de sua própria criação, pelo recurso a uma discussão que não garante a verdade nem tão pouco a justiça ideal, mas que radica na mais característica dignidade a que podem aspirar: o respeito pelo outro, o sentido da responsabilidade, o exercício da sua liberdade. “Quando não há nem possibilidade de escolha nem alternativa, não exercemos a nossa liberdade”, diz Perelman (*). Mas a escolha a que aqui se alude, não é uma escolha arbitrária, leviana ou comodista. É sempre a que se julgue corresponder à melhor escolha, a preferível entre todas as possíveis. É alem disso, uma escolha que permanecerá sempre discutível, apesar de se considerar a mais eficaz face às determinações concretas em que ocorre e tendo em consideração o específico problema que urge resolver. É que o critério de eficácia, a que se subordina a retórica, não permite, obviamente, distinguir entre a argumentação de um charlatão e a de um orador que apela à compreensão e sentido crítico do auditório, desde logo, porque o verdadeiro charlatão é aquele que se faz passar por não o ser. Daí a responsabilidade que de uma qualquer escolha sempre deriva quer para quem a propõe, quer para quem a aceita. Podemos então retomar, agora de um novo ângulo, a questão da co-responsabilidade do manipulador e do manipulado, num eventual uso indevido da retórica.

(*) Perelman, C., (1997), Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, p. 90