25 setembro 2005

Excerto de um livro não anunciado (259)

Defendemos já a ideia de que, face à actual compreensão do fenómeno retórico, não se deve isentar o manipulado da quota de responsabilidade que lhe cabe pela manipulação de que é alvo. É essa mesma ideia que aqui se pretende reafirmar, à luz do binómio responsabilidade-liberdade que preside a toda a escolha num contexto retórico. Com efeito, parece que endossar todas as culpas ao manipulador seria o mesmo que fazer do manipulado um mero autómato, um ser sem discernimento, sem capacidade de reacção, numa palavra, um não-humano. Uma tal posição, porém, não só se mostra moralmente condenável como estaria igualmente contra o espírito que enforma todo o movimento da nova retórica, que recordemos, desde o início se afirma como uma retórica, antes de mais, verdadeiramente humanista. De resto, nunca a ausência de manipulação garante o bem fundado das escolhas consensuais. Para que uma questão retórica receba a melhor solução possível, exige-se sempre algo mais do que um orador técnica e eticamente irrepreensível, não sendo mesmo descabido afirmar que a qualidade da própria retórica depende mais da capacidade crítica dos auditórios do que da eloquência dos respectivos oradores. No mesmo sentido, aliás, se pronuncia Perelman, nesta passagem do seu livro Retóricas: “Qual será então a garantia de nossos raciocínios? Será o discernimento dos ouvintes aos quais se dirige a argumentação” (*). O autor explica porquê: “toda a eficácia da argumentação é relativa a um certo auditório. E a argumentação que é eficaz para um auditório de gente incompetente e ignorante não tem a mesma validade que a argumentação que é eficaz para um auditório competente. Daí resulta que derivo a validade da argumentação e a força dos argumentos da qualidade dos auditórios para os quais tais argumentos são eficazes” (**).

(*) Perelman, C., (1997), Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, p. 87
(**) Ibidem, p. 313