01 janeiro 2006

Soares e o Paris-Dakar eleitoral

No início da chamada pré-campanha eleitoral, surpreendeu-me a boa forma física e frescura de espírito com que Mário Soares partiu à procura dos votos, dialogando por todo o país. Hoje temo que se tenha excedido, quando o vejo ofegante e com manifesta dificuldade na coordenação das respectivas frases ou afirmações. E pese embora a paixão política e o espírito combativo de que mais uma vez tem dado mostra, há limites que talvez fosse mais avisado não transpor.

Está na hora de reconhecer que campanhas eleitorais como as que têm vindo a decorrer entre nós, são verdadeiramente desumanas. As viagens diárias por um país corrido de lés-a-lés em várias direcções e repetidas vezes; as visitas a fábricas, a feiras e mercados, a creches, a hospitais e ao sr. governador civil; os comícios, os jantares-convívio, a apresentação de cumprimentos, os passeios de rua, as entrevistas à comunicação social; a perna de frango engolida à pressa, o irrecusável pé de dança, as fotografias da praxe. Eis o programa de loucos que, em princípio, espera qualquer candidato e que, pelos vistos, igualmente espera Soares.

Mas é urgente acabar com esta moda que, além de pouco abonatória da nossa cultura democrática, sujeita os candidatos a um desgaste físico e psicológico manifestamente gratuito e desproporcionado. Reconheça-se, de uma vez por todas, que uma campanha eleitoral não é nenhum "Paris-Dakar" nem qualquer outra prova de resistência. E Mário Soares, melhor do que ninguém, devia saber disso. Até porque, seja cansaço, seja o que for,
é sempre penoso assistir a uma coisa destas. Por uma questão de respeito e pudor, ou de mera estratégia eleitoralista, haverá quem prefira fazer de conta que nada se passou. Mas é um erro porque, ontem como hoje, o pior cego é o que não quer ver. (vídeo)

(texto inspirado no post "E se fosse o Cavaco a fazer isto????", do Mau tempo no canil)

Publicado também n'O Eleito.