23 fevereiro 2006

Excerto de um livro não anunciado (290)

Damásio começa por recordar que a mente não está vazia no começo do processo de raciocínio. Pelo contrário, encontra-se repleta daquilo a que chama um repertório variado de imagens (*), produzidas pela situação concreta que enfrenta. Sucede que essas imagens entram e saem da consciência numa apresentação demasiado rica para ser rápida ou completamente abarcada. É esse o tipo de dilema com que nos vemos confrontados quotidianamente e para o resolver, dispomos, pelo menos, de duas possibilidades distintas: a primeira, baseia-se na perspectiva tradicional da razão nobre, que concebe a tomada de decisão “racional”; a segunda, na hipótese do marcador-somático. Segundo a perspectiva racionalista (ou da razão nobre), para decidirmos bem, bastará que deixemos a lógica formal conduzir-nos à melhor solução para o problema. O que é preciso é deixar as emoções de fora, para que o processo racional não seja adulterado pela paixão. Os diferentes cenários serão assim considerados um a um a fim de serem submetidos a uma análise do tipo custos/benefícios de cada um deles, para, mediante uma estimativa da utilidade subjectiva deduzirmos logicamente o que é bom e o que é mau. Nessa análise são portanto consideradas as consequências de cada opção em diferentes pontos do futuro e calculadas as perdas e os ganhos que daí decorreriam. Simplesmente, como a maior parte dos problemas tem muito mais que duas alternativas de solução a sua análise torna-se cada vez mais difícil à medida que se vai avançando nas deduções (**).

(*) Segundo Damásio, o conhecimento factual que é necessário para o raciocínio e para a tomada de decisões chega à mente sob a forma de imagens.
(**) Cfr. António Damásio, (1995), O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), p. 183