11 março 2006

Excerto de um livro não anunciado (295)

Voltemos porém à surpreendente decisão do cliente de não efectuar o seguro que lhe foi proposto. Em que medida essa sua reacção pode ser explicada pela hipótese do marcador-somático? Vejamos: o cliente tinha que decidir, pelo menos, entre duas opções, fazer ou não fazer o respectivo seguro e, do ponto de vista lógico-racional, nada obstava a que a sua resposta fosse positiva. Mas ao proferir aquela “fatídica” frase, o agente de seguros terá feito convergir a atenção do cliente para o cenário da sua própria morte, despoletando-lhe emoções e sentimentos mais ou menos penosos. E como diz Damásio, um “mau resultado” quando associado a uma dada resposta, por mais fugaz que seja, faz aparecer uma sensação visceral desagradável. A partir desse momento, a escolha de fazer ou não fazer o seguro passa para segundo plano, pois o cliente tem agora um novo quadro opcional pela frente que já não diz respeito à bondade da argumentação do agente nem sequer à subscrição do próprio seguro. Houve, por assim dizer, uma antecipação e um deslocamento do núcleo problemático, que passou a ser o de ter de escolher entre decidir ou não decidir (fosse qual fosse o sentido dessa decisão, o de fazer ou não fazer o seguro). E, obviamente, é a opção decidir que surge associada às já citadas emoções secundárias, constituindo-se o marcador-somático como um “avisador automático” do mal estar que essa opção representa ou provocaria, pois decidir, neste caso, significaria ter de enfrentar o fantasma da própria morte. Antecipando-se à análise racional das duas opções iniciais (decidir ou não decidir) em função dos custos/benefícios quer de uma quer de outra opção, o marcador-somático funciona assim como uma espécie de filtro, que no caso em apreço, apenas deixa à consideração racional uma hipótese: não decidir. E foi o que o cliente fez.