30 maio 2006

Um vizinho compreensivo

Cafetaria do El Corte Inglés, de Gaia. Cheguei há 5 minutos e continuo à espera de ser atendido. À entrada, estavam dois senhores muito bem postos: fato escuro, pescoço ao alto, braços caídos e um sorriso tão artificial que nem parecia para mim. Ainda olhei para o lado e para trás, mas não vi ninguém por perto. O alvo era eu mesmo. Com algum constrangimento acedi a um leve inclinar de cabeça. Resultou. Queriam à viva força escolher-me a mesa, acompanhar-me até lá. Naquele estilo de simpatia forçada tipo "podes sentar-te só onde nós dissermos". Agora que já me abanquei a esta mesa com vista panorâmica, passo em revista a cena da entrada e concluo que o meu sucesso se ficou a dever: 1) à silenciosa retribuição do cumprimento, 2) a um certo ar de quem não estava a "perceber a mensagem" e 3) à recusa de abrandar a marcha em direcção ao interior da cafetaria. Bem, posso estar a atirar ao lado mas o certo é que, depois disso, os dois porteiros de luxo sairam-me da frente. Queria procurar outras explicações para esse "não incidente" mas fica para depois porque o tempo não parou. Parece que por aqui só parou o serviço. Contado ninguém acredita. Mas eu conto na mesma. A 2 metros de mim, sim, a 2 metros de mim, estão 8 (oito!) funcionários da cafetaria, todos juntos, a conversar uns com os outros. Não sei no que lhes deu. O cliente entra, senta-se à mesa, olha para cada um deles com aquele ar de quem implora a um santo e nada. Parece que o empregado que me calha é aquele que está ali há mais de uma eternidade a "dar uma aula" sobre o fornecedor de determinado yogurte (estou a ouvir a conversa, mesmo sem querer) a uma jovem que lhe agradece cada resposta com mais duas perguntas. A coisa está para lavar e durar. Volto a olhar para o "monte" de funcionários aqui mesmo à minha frente, tento adivinhar qual deles será mais receptivo ao meu SOS mas é difícil porque quase todos me voltam as costas. Apenas um deles ousa olhar na minha direcção. Levanto imediatamente o braço mas o homem finge-se de morto e retoma o paleio com os colegas. Estou frito. Parece um filme. Estou aqui há 10 minutos sem ser atendido e com 8 (oito!) funcionários do El Corte Inglés à minha frente em amena cavaqueira. A empresa afirma ter gasto 15 milhões de euros em formação do pessoal. Ninguém diria. Por exemplo, nesta altura, lá ao fundo, anda ali um senhor de fato acinzentado com as mãos atrás das costas passeando para cá e para lá. Tem ar de supervisor. Mas, pelos vistos, precisa é de quem o supervisione a ele. E cá vai o meu diagnóstico: muita formação mas pouca ou nenhuma exigência, é o que é. Entretanto, precisamente aquele empregado que há pouco fingiu nao ter visto o meu sinal, vá-se lá saber porquê, veio agora mesmo atender-me. Reclamei. Deu-me toda a razão (vá lá...). Pediu desculpa por ele e pelos colegas. E acelerou o serviço. Amoleci. Afinal, embora tarde e a más horas, o homem acabava de me matar a sede num dia de calor infernal. Ora, à boa maneira portuguesa, tudo está bem quando acaba bem. Além de que sou um vizinho compreensivo...