A cada um a sua retórica
Segundo a última edição do "Sol", o ministro Manuel Pinho terá afirmado que a API (Agência Portugesa para o investimento) "aprovou mais projectos em 2006 do que nos anteriores três anos".
Comentando a afirmação do ministro, Miguel Cadilhe declarou ao mesmo semanário que "a avaliação feita pelo executivo ao seu trabalho à frente da "API" foi "infeliz, deselegante e não corresponde à verdade".
Por sua vez o jornal em causa titula a respectiva notícia deste modo:
Pode dizer-se que a cada um a sua retórica, qual delas a menos "académica":
O Governo,
porque comparando os resultados da API no ano de 2006 com os dos anteriores três anos apenas com base no número de projectos aprovados em cada ano, está a deixar no ar a ideia de que todos os projectos aprovados em 2006 foram elaborados e concluídos neste mesmo ano ou que os projectos que transitaram dos anteriores três anos não tiveram qualquer expressão. O que não cabe na cabeça de ninguém. Logo, das duas uma: ou quis colher louros alheios ou pretendeu apenas mandar uma indirecta a Miguel Cadilhe. Sentido de Estado, procura-se.
Miguel Cadilhe,
porque, tendo o direito de achar que a declaração do ministro foi infeliz e deselegante, já não poderia acusá-lo de algo que ele não disse. O ministro referiu-se apenas ao número de projectos aprovados e não ao trabalho de Miguel Cadilhe. Claro que a sua declaração pode implicitar uma crítica ao desempenho de Miguel Cadilhe mas o ponto é que ao implícito não se pode responder explicitamente. Quem o fizer cai na cilada retorica que todo o implícito espreita: a de acusar o interlocutor de processo de intenção. Ora Miguel Cadilhe não tem nenhuma prova objectiva do que o ministro terá pensado mas tão só do que acabou por dizer. E o que disse corresponde à verdade ou, pelo menos, Cadilhe não pôs em crise a veracidade da afirmação de que discorda.
O "Sol",
porque a frase proferida por Miguel Cadilhe foi "não corresponde à verdade" e esta não legitimava que se puxasse para título "Miguel Cadilhe acusa Governo de mentir". O jornal sabe muito bem que "Não corresponder à verdade" não significa "mentir". Mendacium est enunciatio cum voluntate falsum enuntiandi – era como Santo Agostinho definia a mentira. E, de facto, mentir é dizer o falso com a intenção de enganar. Mas não foi disso que Miguel Cadilhe acusou ministro. Afirrmar que algo não corresponde à verdade significa apenas que é falso, no sentido de contrário do verdadeiro, ou que é um erro, ou que é "diferente" ou ainda, que nem é falso nem verdadeiro. Em qualquer caso, sem nunca atingir o nível de censurabilidade da mentira. Moral da história: na notícia falou Miguel Cadilhe; no título falou o jornalista (ou o jornal) por ele. Não se admite.
Comentando a afirmação do ministro, Miguel Cadilhe declarou ao mesmo semanário que "a avaliação feita pelo executivo ao seu trabalho à frente da "API" foi "infeliz, deselegante e não corresponde à verdade".
Por sua vez o jornal em causa titula a respectiva notícia deste modo:
Miguel Cadilhe acusa Governo de mentir
Pode dizer-se que a cada um a sua retórica, qual delas a menos "académica":
O Governo,
porque comparando os resultados da API no ano de 2006 com os dos anteriores três anos apenas com base no número de projectos aprovados em cada ano, está a deixar no ar a ideia de que todos os projectos aprovados em 2006 foram elaborados e concluídos neste mesmo ano ou que os projectos que transitaram dos anteriores três anos não tiveram qualquer expressão. O que não cabe na cabeça de ninguém. Logo, das duas uma: ou quis colher louros alheios ou pretendeu apenas mandar uma indirecta a Miguel Cadilhe. Sentido de Estado, procura-se.
Miguel Cadilhe,
porque, tendo o direito de achar que a declaração do ministro foi infeliz e deselegante, já não poderia acusá-lo de algo que ele não disse. O ministro referiu-se apenas ao número de projectos aprovados e não ao trabalho de Miguel Cadilhe. Claro que a sua declaração pode implicitar uma crítica ao desempenho de Miguel Cadilhe mas o ponto é que ao implícito não se pode responder explicitamente. Quem o fizer cai na cilada retorica que todo o implícito espreita: a de acusar o interlocutor de processo de intenção. Ora Miguel Cadilhe não tem nenhuma prova objectiva do que o ministro terá pensado mas tão só do que acabou por dizer. E o que disse corresponde à verdade ou, pelo menos, Cadilhe não pôs em crise a veracidade da afirmação de que discorda.
O "Sol",
porque a frase proferida por Miguel Cadilhe foi "não corresponde à verdade" e esta não legitimava que se puxasse para título "Miguel Cadilhe acusa Governo de mentir". O jornal sabe muito bem que "Não corresponder à verdade" não significa "mentir". Mendacium est enunciatio cum voluntate falsum enuntiandi – era como Santo Agostinho definia a mentira. E, de facto, mentir é dizer o falso com a intenção de enganar. Mas não foi disso que Miguel Cadilhe acusou ministro. Afirrmar que algo não corresponde à verdade significa apenas que é falso, no sentido de contrário do verdadeiro, ou que é um erro, ou que é "diferente" ou ainda, que nem é falso nem verdadeiro. Em qualquer caso, sem nunca atingir o nível de censurabilidade da mentira. Moral da história: na notícia falou Miguel Cadilhe; no título falou o jornalista (ou o jornal) por ele. Não se admite.
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