O que os mais descrentes dos blogues não entendem é a urgência que as pessoas têm em partilhar o que pensam e sentem, com o mundo, com estranhos, consigo próprios.
Carla Quevedo
in Revista Tabu, Sol, 23 Dez 2006
Vou buscar aos “CINCO SENTIDOS” de Carla Quevedo o mote para este meu post. Também eu quero hoje partilhar algumas ideias comigo próprio, escrever de mim para mim, numa palavra, ser o meu primeiro leitor. Sinto que chegou a altura de acertar a conversa com os meus botões, de me auto-justificar, principalmente quanto à reduzida e intermitente actividade bloguística dos últimos tempos. Mesmo se nada houver de muito especial para dizer ou ler.
Não me aconteceu nada de grave (longe vá o agoiro), não me aconteceu nada de maravilhoso (mas um dia, quem sabe...), muito menos as duas coisas ao mesmo tempo. Mas é precisamente isso que agora me ocupa. Vejo-me a escrever no blogue com menos frequência do que gostaria - e do que os poucos (mas muito fiéis) leitores bem merecem - experimento até algum desconforto com a situação, mas tudo se passa como se fosse o último a saber das razões que me têm impedido de vir aqui escrever as minhas "patacoadas", com outra constância e maior actualidade.
É natural, portanto, que a resposta a este meu princípio de inquietação, seja muito mais simples do que imagino. Provavelmente, não terei vida para isto, sendo que isto, neste momento, é o próprio blogue. Não me refiro à minha evidente impreparação cultural, política, literária e científica para ombrear com as grandes "estrelas" blogosféricas de que sou primeiro admirador. No espaço público cada um contribui com o que pode ou sabe e a mais não é obrigado. A questão é bem mais básica. Como diria o outro, é a vida. Nem mais. A vida.
E é a falar de vida que quase invejo os que conseguem colocar um ou mais posts diariamente, que em cima da hora analisam factos ou acontecimentos noticiados online pelos media tradicionais, que editam artigos de opinião uns atrás dos outros, que visitam todos os dias (ou quase) dezenas e dezenas de blogues e ainda encontram disponibilidade para inscrever uma sugestão ou reparo nas respectivas caixas de comentários. Digo para os meus botões que não levem a mal o desabafo, mas um tal ritmo de edição blogosférica só está ao alcance de profissionais ou então dos... ociosos (no mais nobre dos sentidos).
Não tenho o privilégio de me enquadrar em qualquer destas duas categorias: nem vivo da escrita (com muita pena minha) nem sou senhor único do meu tempo (o que ainda mais lamento). Não posso, pois, enganar-me a mim mesmo nem alimentar falsas expectativas: os meus posts foram, são e, em princípio, assim serão irredutivelmente supletivos em relação às minhas actividades académicas e empresariais do dia-a-dia. Supletivos e, direi até, delas dependentes. Porque os dias só têm 24 horas e não consigo meter lá dentro todos os meus anseios, todos os meus planos ou projectos. Logo, ao menos transitoriamente, alguma coisa tem que ficar para trás.
No meu caso, fica para trás o piano que pouco mais do que “arranho”, como o ficam o CD que já só escuto no carro, o teatro por onde passei, os filmes que só vou ver “pela certa”, depois de escutar a opinião dos amigos ou de ler a respectiva crítica. Resistem ainda os livros (e as livrarias), as revistas, os jornais e a rádio, a Web e o e-mail, que sigo continuamente, mas já não tanto as exposições de pintura ou fotografia, os concertos e a própria televisão. O blogue? O blogue anda por aí algures entre essas duas categorias de coisas que desigualmente me roubam a atenção e o interesse, mas com a agravante de ser, como se sabe, um verdadeiro ladrão do tempo. É por isso que, de tempos a tempos, preciso de o meter na ordem, fazer-lhe “ver” a forte concorrência que tem no universo dos meus interesses e preocupações, não vá a importância subir-lhe à cabeça e querer um dia tornar-se, até, aditivo.
E lá surgem dois, três dias ou um pouco mais (em regra, não ultrapassa uma semana) sem colocar qualquer post. Mas o que posso adiantar é que esta minha maneira de pensar e agir não diz respeito apenas aos blogues. Há mil e uma coisas que também gostaria de fazer e não faço, só porque os dias do meu imaginado futuro se encontram já tão preenchidos que teria de prescindir de coisas comprovadamente muito boas para poder aderir a outras tantas que, por ora, são apenas novas. E isso nunca me pareceu bom negócio.
Acredito, claro, que os blogues, como toda a presença no "virtual", são um poder em aberto de afirmação "real", no sentido em que funcionam não só como extensão das nossas faculdades sensoriais e cognitivas, como, ainda mais notavelmente, das condições da própria existência. Em todo o caso, afirmar que o espaço blogosférico faz parte da minha vida, não é ainda dizer que a substitui. E isso diz tudo.
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