18 agosto 2007

As vergonhosas listas de espera do SNS

Como reagir à noticia de que há 208 mil doentes que continuam à espera de uma operação nos nossos hospitais públicos, 41 mil esperam por uma cirurgia há mais de um ano, mais de 21 mil há pelo menos dois anos e, horror dos horrores, "Há doentes com cancro à espera mais de um ano»?

Há quem se aterrorize:
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Para Jorge Espírito-Santo, presidente do colégio de oncologia da Ordem dos Médicos,
"A ser verdade, este panorama é aterrador".

Há quem não tenha vergonha:
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Para Correia de Campos, ministro da Saúde , “a evolução tem sido muito positiva” (Publico, 12 Agosto 2007) e os valores das listas de espera para cirurgia em hospitais públicos “não nos envergonham na comparação internacional”

Há quem relativize:
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Para Vital Moreira, professor de Direito, a situação é inadmissível e estas notícias não podem deixar de preocupar, mas (e cá vem a relativização da praxe) “É certo que os números das listas de espera de cirurgia mostram melhorias significativas (…)”

Há, enfim, quem reaja das mais variadas maneiras e, pior do que tudo, há até quem já não reaja. Os políticos, porém, não se podem dar a esse “luxo” pois são eleitos precisamente para governar, reagir às dificuldades, escolher e aplicar as melhores políticas, corrigir o que estiver mal, resolver os problemas, à cabeça dos quais estão, naturalmente, os problemas da saúde. Resolver os problemas, sim, e não
desvalorizá-los, nem recorrer à habilidade da mediana que se faz passar por média, nem dar mais ênfase ao pouco que se fez, do que ao muito que continua por fazer. E já agora, conceda-se: o mínimo que se espera de um ministro da Saúde é que para além da exigível preparação técnica para o desempenho do cargo, demonstre possuir uma sensibilidade consentânea com a delicadeza e a dignidade do que humanamente está em jogo na doença e nos respectivos cuidados médicos. E não que se limite à frieza dos números numa gestão pouco mais do que aritmética de custo/benefício. Numa palavra, é preciso que meta na cabeça que salvar uma vida não tem preço (que era, certamente, o que pensaria, se essa vida fosse a sua).

Não. A calamitosa situação das listas de espera no nosso SNS e, em particular, o gravíssimo problema de haver doentes com cancro à espera de operação há mais de um ano, não se resolve nem ilude com a questão lateral de se saber se os números das listas de espera de cirurgia sofreram ou não, nos últimos tempos, quaisquer melhorias. Porque a notícia e os números divulgados espelham a realidade actual e não a do passado. E nem o facto de o tempo de espera em tais listas ter sido ultimamente diminuído retirará sequer uma lágrima de dor (ou de revolta?) a quem permanece condenado sem culpa, nesses verdadeiros corredores da morte em que as listas acabaram por se transformar.

Sim, somos um país pobre e a situação financeira do nosso SNS é o buraco que se sabe. É natural, por isso, que não tenhamos os melhores hospitais do mundo, os melhores recursos médicos do mundo, a melhor organização da saúde do mundo. É natural também que haja listas de espera para cirurgia e para outro tipo de tratamentos. O que não é natural é que se olhe para tais listas de espera com displicência ou resignação, ou que por razões de mera gestão económica se deixe alguém em perigo de vida ou ainda que os responsáveis políticos disfarcem a sua inoperância com a alegação de “melhorias significativas” que mais não é do que uma variante “artística” do estafado argumento da “pesada herança”.

Em vez de continuar a desculpar-se e a fazer discutíveis comparações com outros países, o sr. ministro da Saúde deveria antes reconhecer publicamente e sem subterfúgios:

1)

Que os números das actuais listas de espera para cirurgia são absolutamente inaceitáveis e altamente discriminatórios em função do local onde vive o doente (visto que o tempo de espera varia conforme o hospital).

2)

Que a situação é realmente dramática pois leva a que a pessoa possa morrer mais depressa do tratamento (neste caso, não tratamento) do que da própria doença.

A partir daqui, que nos diga somente mais uma coisa: é ou não é capaz de resolver este problema fazendo baixar para números decentes os prazos de espera por uma cirurgia? Se é, que apresente um plano com medidas concretas a aplicar e respectivos objectivos. Se não é, que tenha lá paciência, mas passe a pasta a outro.

Porque o problema não é, como se apregoa, de falta de dinheiro. É, isso sim, falta de prioridade. Um governo que não resolve o gravíssimo problema das listas de espera mas ao mesmo tempo insiste em avançar, por exemplo, com os grandes projectos do TGV e da Ota, só mostra que dá mais prioridade às obras do que a salvar tantas vidas em perigo (*). Há coisas que não entendo mesmo. Já agora, o que pensará a aniversariante Lucília Nunes de tudo isto?


(*) O mesmo governo que tolera o adiamento de cirurgia em doentes com cancro por mais de 1 ano, tem andado muito preocupado com o adiamento do projecto OTA apenas por 3 meses.