04 julho 2008

O homem.com medo de si próprio (2)



O HOMEM E A TÉCNICA

Técnica, Ciência e Tecnologia

Quando se pretende analisar a repercussão ética da actual era tecnológica é quase impossível fugir a uma panóplia de termos ou conceitos que mantêm grande afinidade entre si: técnica, ciência, tecnologia, ciência aplicada, tecnociência, progresso técnico-científico, engenharia genética, robótica, nanotecnologia [1] e muitos outros. Isto acontece, sobretudo, porque cada um destes termos corresponde a uma certa perspectiva de intervenção humana sobre a natureza. Mas para o que aqui mais importa não é preciso apurar o significado último de todas ou de cada uma dessas expressões. Bastará conceder primazia analítica aos três primeiros conceitos acima indicados - Técnica, Ciência e Tecnologia - que, automaticamente, remetem para as principais instâncias do mundo técnico-científico, mesmo do mais especializado, sobre cujos limites éticos importa reflectir.


Refiro-me a instâncias do mundo técnico-científico, pela simples razão de que não existem hoje fronteiras muito nítidas entre técnica, ciência e tecnologia. Tão intimamente conexionados nos surgem estes três domínios do conhecimento que, por vezes, torna-se difícil perceber o que seria imputável a cada um deles. Aliás, em alguns casos nem sequer nos interrogaremos se estamos perante uma ciência, uma técnica ou uma tecnologia, como sucede, regra geral, com a medicina, com a economia, com a gestão ou até com a própria informática. Isto,
claro, na actualidade. Mas a técnica, tradicionalmente associada a um saber prático aplicável à vida concreta de todos os dias, ou se quisermos, a um “saber-fazer”, detém, como se sabe, considerável anterioridade histórica sobre a reflexividade teorética da ciência, pelo que, de início, nem se colocaria o problema da sua diferença ou distinção. [cont.]
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[1] Como se depreende do seu prefixo “nano”, que corresponde a um milésimo milionésimo da unidade (0,000 000 001), a nanotecnologia é a “ciência do pequeno” (do muito pequeno, mesmo). Segundo Cylon Gonçalves da Silva, físico brasileiro ligado à criação do Centro Nacional de Referência em Nanotecnologia, não se trata realmente de uma tecnologia específica mas de um “conjunto de técnicas, baseadas na Física, na Química, na Biologia, na Ciência e Engenharia de Materiais e na Computação, que visam estender a capacidade humana para manipular a matéria até aos limites do átomo”. Foi em 1959 que Richard Feynman, físico norte-americano e Prémio Nobel, lançou, pela primeira vez, a ideia da nanotecnologia, no decorrer do encontro anual da Sociedade Americana da Física. Proferindo uma palestra subordinada ao título “Há muito espaço lá em baixo” causou a estupefacção geral ao atirar para o ar a seguinte questão: “Por que não podemos escrever todos os 24 volumes da Encyclopaedia Britannica na cabeça de um alfinete?” Consta que a assistência riu. Mas Feynman, imperturbável, terá continuado: “A cabeça de um alfinete tem uma dimensão linear de 1/16 de polegada. Se a ampliarmos em 25 mil diâmetros, a área da cabeça do alfinete será equivalente às páginas da Encyclopaedia Britannica. Então, tudo o que é preciso fazer é reduzir o tamanho de tudo o que está na enciclopédia 25 mil vezes”. A ideia estava lançada, mas acabou por cair no esquecimento. Somente em 1992 a nanotecnologia viria a afirmar-se definitivamente, graças às propostas que Erick Drexler apresentou perante o Comité do Senado para o Comércio, Ciência e Transporte, Sub-Comité para a Ciência, Tecnologia e Espaço, subordinado ao tema “Nanotecnologia Molecular”. Uma dessas propostas consistia em produzir “objectos a partir de moléculas, manipulando átomos individualmente, como tijolos na construção de uma casa”. Al Gore, que viria a ser Vice-Presidente dos EUA e era, na altura, Presidente do citado Sub-Comité, gostou do que ouviu. Estava garantido o apoio à nanotecnologia por parte da Administração Clinton.
http://www.comciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano10.htm
http://www2.uol.com.br/sciam/nanotecno.html

in Américo de Sousa (2004), O homem com medo de si próprio, Porto: Estratégias Criativas, p. 13

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