27 dezembro 2009

O observador exterior e descomplexado

Da coluna de Fernanda Câncio, no Notícias Magazine de hoje, retive os dois pequenos excertos a que me passo a referir:

1.
“2009 foi um ano muito estranho. (…) Nunca tínhamos assistido a algo assim: uma presidência que se diz vigiada pelo governo, um braço-direito de um presidente que encomenda notícias contra o governo, um presidente que faz o discurso mais trôpego e sinuoso de que há memória num presidente"

Pode a Fernanda Câncio ter assistido a essas estranhezas todas. Mas a julgar pelo imaculado silêncio a que nelas vota o Governo e o Primeiro-Ministro, até leva a crer que tapou primeiro um dos olhos. Se assim foi, já não admira que também só tenha visto um dos lados. Quer, dizer, numa Jornalista, admira, sim senhora. Daí, o reparo.

2.
"A criação de uma ideia de falha na democracia, de «menos democracia», levou a acusações inflamadas sobre media controlados, sobre «pensamentos únicos», perseguições e pressões. Independentemente de qualquer tentativa de controlo - a provar -, porém, um observador exterior e descomplexado que se dedicasse a observar os media portugueses só podia ter uma opinião bem diferente".

Independentemente de qualquer tentativa de controlo - como diz a Jornalista – também creio que não se deve “confundir com censura o recurso dos cidadãos às instâncias postas ao seu dispor pela democracia e pelo Estado de Direito sempre que considerem que o seu direito ao bom nome ou qualquer outro direito da personalidade foi posto em causa pelos media.” Mas é fácil concordar quando se trata assim de uma premissa abstracta e geral. Saber se é isso que está a acontecer na situação particular em apreço, já são outros quinhentos. É uma questão ideal para a retórica crítica, que submete as melhores razões ao critério da razoabilidade e do consenso. Mas aqui a minha dúvida é outra:
- estará Fernanda Câncio a ser, num e noutro caso, uma observadora tão exterior e descomplexada como ela própria assertivamente requer para um “observador exterior e descomplexado” que, diz, “só podia” ter a mesma opinião?