26 dezembro 2009

O playback ao contrário

O registo desta mensagem de Natal do Primeiro-Ministro - proferida em (falso) improviso, com um olho na câmara e outro no teleponto (*) - tem um sério inconveniente: fica-se com a sensação de que o conteúdo da mensagem é (foi) tão artificial como a forma.
Não é preciso recorrer a Levinas para situar a importância do rosto na relação com o outro. O rosto ou a face é o que temos de mais identitário. É a nossa assinatura, o nosso compromisso pessoal. Expressões como "olhos nos olhos", "sorriso amarelo" ou "cara de poucos amigos", atestam o valor informativo que o rosto melhor sinaliza do que a mais rebuscada literalidade.
Quando o Primeiro-Ministro vai à televisão ler disfarçadamente uma mensagem de Natal, não comete apenas uma deselegância para quem se dispôs a vê-lo (e não apenas a escutá-lo). Ao afastar o olhar da câmara (isto é, de quem o olha) priva o telespectador de confirmar coisas tão decisivas para o sentido de uma comunicação como a sinceridade, a convicção ou o entusiasmo de quem fala. E lá está: não me parece que isso seja bonito. Para além de que, se em televisão bastasse o conteúdo informativo da mensagem, então bem poderia ter sido lida por outro. Por mim, quase prefiro o playback. Ao menos teríamos o Primeiro-Ministro a olhar para nós. Que diferença faz, afinal, entre fingir que se fala e fingir que não se lê?

(*) A que já aqui me referi