06 agosto 2005

O editorial do Sr. Ministro

1
O Ministro das Obras Públicas teve honras de editorial no Diário de Notícias, onde procurou justificar (mais do que esclarecer) a sua decisão de avançar com os projectos do TGV e do novo aeroporto da Ota. Reconheça-se que Pacheco Pereira tem toda a razão: o ministro presenteou-nos com "uma das mais completas colecções de generalidades e banalidades que viu a luz do dia na imprensa. Se não fosse de um ministro, um director de um jornal decente não considerava haver qualidade mínima para publicar o artigo."

2.
A primeira das generalidades do sr. ministro tem a ver com a sua chamada de atenção para o papel que a mobilidade desempenha nas sociedades actuais. Até parece que a situação actual do país é de mobilidade zero. Até parece que só passará a haver mobilidade quando estiverem implementados o TGV e o novo aeroporto da Ota. Até parece que o que está em causa é saber se o TGV e o novo aeroporto da Ota irão ou não melhorar a situação do país em matéria de transportes. Ora nada disso é verdade, assim como nada disso está em causa. Do que se trata é de avaliar o custo financeiro e a oportunidade (prioridade) do respectivo investimento.

3.
Os argumentos do ministro (e do governo) poderiam ser muito pertinentes num outro contexto em que as finanças públicas se apresentassem equilibradas ou em vias disso. Mas no quadro do reiterado discurso de penúria com que o governo justificou o mais recente aumento dos impostos, a imediata suspensão de reformas antecipadas, o alargamento da idade de reforma e outras tantas medidas impensáveis e de alto teor demagógico, principalmente para quem se diz defensor de um Estado Social, não há razões que possam justificar tal desvario megalómano. O governo mostra-se com bolsa de pobre e boca de rico, é o que é. E sem querer antecipar a desgraça, esse é um modelo de gestão que só pode levar à ruína. É por isso necessário que o sr. ministro e o governo sejam confrontados com uma viva manifestação cívica de apreensão quanto a tais projectos.

4.
O sr. ministro justifica ainda as opções TGV e Ota pelo facto de Portugal ter actualmente ao seu dispor importantes apoios financeiros comunitários para modernização e desenvovimento das suas infra-estruturas de transportes. Não sei que percentagem do custo final deste projectos será coberta pelos referidos fundos comunitários mas, numa versão optimista, posso imaginar que o seu montante chegue a 50% do investimento global. Ainda assim, aonde vai o governo buscar os restantes 50% de fundos ou a parte que, seja ela qual for, terá de investir, se como ele próprio confessa, o país está numa situação financeira tão grave que o obriga a frustar os direitos adquiridos e a expectativas dos trabalhadores e dos contribuintes em geral? Haverá um único trabalhador que entre a possibilidade de se reformar aos 60 anos sem TGV e ter direito à reforma somente aos 65 anos mas com TGV, prefira esta última hipótese? Para onde vai, afinal, um governo cuja ideologia socialista sempre foi associada à bandeira da defesa dos interesses dos trabalhadores?

5.
Ao querer investir nestes projectos por serem comparticipados comunitariamente o sr. ministo, com o devido respeito, faz-me lembrar a mulher de um amigo meu que sempre que chega a casa carregada de compras e o marido a interpela sobre a real necessidade de ter comprado tanta coisa, imediatamente se justifica com o facto de serem tudo coisas muito baratas que estavam em promoção. É nessa altura que o meu amigo se vê forçado a lembrar-lhe que o problema não é o preço a que ela comprou. O problema é ela ter gasto mais do que devia...