07 novembro 2005

Os jornalistas e os políticos

Talvez os jornalistas devessem, pois, ponderar a lição de Brecht e, condenando o Rio que transborda, condenar também, quando é caso disso, as margens que o comprimem.

Manuel António Pina in "Palavras", JN de 07 Novembro 2005.

Os jornalistas são muitas vezes escolhidos pelos políticos como bode expiatório para encobrir todo o tipo de irregularidades, incompetências ou simples aversões ao escrutínio público do seu exercício. Compreende-se. Desde logo porque é relativamente fácil a qualquer político conviver arrastadamente com um problema desse tipo à sua volta (no seu restrito círculo de colaboradores), mas o mesmo já não acontece quando um jornal ou outro meio de comunicação o dá a conhecer ao país inteiro. Só por isso a palavra dos jornalistas já seria bem mais poderosa do que a palavra do vulgar cidadão.

Sucede que, regra geral, é também uma palavra crítica e especialmente qualificada para dizer o que diz. Isso faz com que o jornalista não seja propriamente o "inimigo" que mais interessa aos políticos. Logo, à cautela, talvez seja preferível tentar cair nas suas graças, mesmo quando o preço a pagar for o de uma certa promiscuidade. Não, não é fácil ser jornalista. Às dificuldades técnicas da profissão, há a somar toda uma teia de interesses e seduções, golpadas ou meras pressões por parte daqueles que, actuando pela calada, se furtam aos holofotes da opinião pública. Mas, obviamente, não é esse o caso de Rui Rio o qual, de tão invulgar entre a classe política (independentemente da sua discutível bondade), pode ter accionado a menos feliz reacção corporativa de que fala Manuel António Pina na sua crónica de hoje, no JN.

Também por isso, ter corrido para o editorial de um jornal de referência (DN) a taxá-lo de espírito pouco democrático, transformando pessoalíssimos palpites em aparentes verdades objectivas à custa de indirectas tão abusivas como quem não receia as suas próprias palavras e as interpretações que se possa fazer delas (...) não foi uma maneira aceitável de rebater publicamente a decisão do autarca. Além de que parece igualmente pouco rigoroso sugerir que a medida de Rui Rio pôs em causa a liberdade de expressão quando se tratou apenas de a conformar. Argumentar com ideias sem denegrir as pessoas, justificar a avaliação de cada medida ou decisão política, exige abertura, tolerância e...persuasão. Chamar Rui Rio ou qualquer outro autarca de pouco democrático não é, nunca será, a melhor maneira de iniciar ou retomar um diálogo. Ora como muito bem propôs ontem o provedor do JN:

seria, porventura, mais produtivo, diante de problemas e discordâncias, que, em vez de se cavar um fosso entre as duas partes (jornalistas e Câmara), se procurasse definir bases para um entendimento. Não são os interesses da comunicação social ou do Executivo camarário que devem ser o critério desse entendimento, mas os interesses dos cidadãos, que uma e outra parte devem servir.

Nem mais.