20 novembro 2005

Sócrates e o pseudo-desmentido

Ao afirmar que o Governo «nunca» propôs ao Presidente da República, Jorge Sampaio, a substituição do actual Procurador Geral da República, José Sócrates serviu-se de um subtil jogo de palavras para dar a impressão de que nega totalmente a notícia do Expresso. Mas não nega. O subterfúgio a que recorreu foi o de fugir ao assunto – como veremos - respondendo a uma questão diferente mas de modo a que parecesse a mesma, sempre num tom muito categórico e, portanto, persuasivo.

Mas quem quer que tenha lido a notícia do Expresso pode confirmar que o jornal não afirma (nem reproduz quaisquer declarações nesse sentido) que “o Governo” propôs ao Presidente da Republica o que quer que seja. A notícia apenas veicula declarações de terceiros (figuras políticas devidamente nomeadas) nas quais é dito, preto no branco, que Sócrates (e não o Governo) quis substituir Souto Moura e, para o efeito, chegou até a auscultar informalmente a opinião do PR. Note-se: chegou a auscultar e não a “propor”. (É claro que perante a recusa do PR - ver notícia - Sócrates só insistiria em apresentar uma proposta formal se quisesse afrontar o PR)

Logo, se o Primeiro-Ministro realmente pretende fazer ao país um categórico desmentido da notícia do Expresso (e já demonstrou que essa é a sua vontade) então terá que fazê-lo com transparência, ao invés de recorrer a meros artifícios discursivos que, a um olhar mais atento, escondem o gato mas deixam o rabo de fora. E para isso, o mínimo que se exige é que não volte a fugir ao assunto e se pronuncie, negando ou admitindo, cada um dos principais factos que compõem a dita notícia, a saber:

1) "Escutas telefónicas feitas no âmbito do "caso Portucale" surpreenderam conversas entre altos dirigentes e figuras do PS e CDS, visando a demissão do procurador-geral da República, Souto Moura, e a sua substituição pelo jurista Rui Pereira (...)".

2) “Nessas conversas afirma-se que José Sócrates queria substituir Souto Moura por Rui Pereira e que, ainda antes de tomar posse (…) teria auscultado informalmente Jorge Sampaio sobre a questão”

3) “Fernando Marques da Costa, conselheiro do PR, discutiu várias vezes com Pinheiro a substituição de Souto Moura”

4) “Altos dirigentes do CDS e figuras do PS discutiram com Abel Pinheiro essa possibilidade, e invocando o nome de Sócrates afirmaram que o primeiro-ministro já fizera a proposta a Jorge Sampaio”.

5) “Nas conversas de Pinheiro com Rui Pereira (...) este confidenciou que tinha sido sondado por José Sócrates para PGR”.

6) “o então líder demissionário do CDS [Paulo Portas] informou Abel Pinheiro que Sócrates lhe pedira o apoio para substituir o PGR e convencer o PR”

7) “(…) José Sócrates sugeriu, de facto e informalmente, o nome de Rui Pereira a Jorge Sampaio, pelo menos duas vezes - mas o PR discordou do "timing" e do nome de Rui Pereira”.


Está em causa a transparência ética dos governantes que, aliás, não terá saído muito favorecida pelo silêncio a que se remeteu a maioria dos visados (contactados pelo jornal). O mesmo se diga da reacção vinda do Presidente da Republica que, sem pôr minimamente a causa o teor da notícia do Expresso afirmou nunca ter ouvido falar "dessas escutas telefónicas". Segundo o seu porta-voz, é mesmo a "primeira vez que o assunto lhe é apresentados nesses moldes" ("nesses moldes", sublinhe-se, o que, naturalmente, não exclui a hipótese da substituição do actual procurador lhe ter sido anteriormente apresentada).

Por outro lado, o próprio Expresso arrisca aqui a sua credibilidade já que uma coisa é transcrever ou dar conta de conversas que constam de uma gravação de escutas telefónicas, outra é tomar posição e reivindicar um conhecimento sem reservas do principal facto nelas anunciado, que é o que faz quando assume: “O EXPRESSO sabe que José Sócrates sugeriu, de facto e informalmente, o nome de Rui Pereira a Jorge Sampaio, pelo menos duas vezes – mas o PR discordou do “timing” e do nome de Rui Pereira”
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