14 novembro 2005

Excerto de um livro não anunciado (263)

Desvalorizar então a retórica por ser passível de manipulação seria equivalente a negar a política só porque alguns dos seus agentes recorrem a práticas mais ou menos censuráveis e supor, além disso, que os destinatários de tais práticas, são potenciais vítimas indefesas sem qualquer outra alternativa que não seja a de caírem nas garras do discurso ardiloso. Mas o que, tanto da retórica como da política, se deve dizer, mais exactamente, é que os eventuais usos abusivos ou manipuladores que nelas têm lugar sempre se inscrevem e têm o seu ponto de partida na dimensão ética dos seus protagonistas, não sendo a retórica, como a política, mais do que campos particulares da sua manifestação. É que nem a eventual ignorância do auditório pode justificar um preconceito especialmente negativo contra a retórica. Certamente que é desejável a maior simetria possível entre as posições de quem fala e quem escuta, entre quem propõe e quem avalia, no que se refere à formação cultural e capacidade crítica necessárias à melhor escolha possível. Um auditório menos preparado perante um orador que domina não só a técnica de argumentar mas também o foro da questão em apreço, pode não ver motivos para regatear a confiança em quem lhe parece tão senhor da situação. E há nisso uma certa dose de risco, sem dúvida, como haverá, sempre que se tome uma decisão ou se tenha por válido algo que, por esta ou aquela razão, não tivemos a possibilidade de comprovar. Mas porque deveria a confiança assumir uma conotação tão “perigosa” só porque ocorre no seio da retórica?