16 novembro 2005

Retórica eleitoral

* Resposta ao Paulo Cunha Porto (com 24 h de atraso)

Os portugueses têm o bom senso de distinguir aquilo que é retórica da realidade - Cavaco Silva

Ao contrário do que Cavaco aqui sugere, aquilo de que os portugueses mais precisam para avaliar um político, é de aprender a dominar a retórica dos seus discursos e demais declarações públicas. É por aí que podem tentar descobrir os contornos de uma realidade que o político não raras vezes tudo faz para manter longe dos olhares dos cidadãos (e dos jornalistas), no segredo do seu gabinete. Neste aspecto, Cavaco foi infeliz, pois manda a isenção admitir que se o falar muito menos do que Soares, por exemplo, pode ser uma boa estratégia de campanha (no sentido competitivo), a verdade é que também acaba por sonegar aos eleitores boa parte da informação a que estes têm direito. E estando Cavaco convencido de que os portugueses sabem distinguir entre retórica e realidade, certamente que os toma por inteligentes. A pergunta é: pode um eleitor inteligente contentar-se com o silêncio de um candidato presidencial? Se um presidente da republica não exerce o seu mandato (apenas) por escrito, como reagir perante um candidato que se limita praticamente a ler as suas próprias declarações e foge como diabo da cruz de uma menos formal troca de impressões ou, não as podendo de todo evitar, se refugia em meras generalidades?

Cavaco não está bem. Muitos dizem que está na mesma, que permanece igual a si próprio, nomeadamente, na maneira de enfrentar os jornalistas. Pessoalmente penso que isto não corresponde inteiramente à verdade. Cavaco não está igual, Cavaco está pior. Não se solta. Nem é ele, nem o seu personagem. Parece que traz às costas um pesado fardo de que só se poderá livrar no dia das eleições. Mas nada disto teria tanta importância se nos fosse falando um pouco mais, não dos princípios e generalidades comuns a outras candidaturas, mas sobre o que realmente pensa quanto aos problemas concretos que a sociedade e o país têm à sua frente. Não o fazendo, leva a que o eleitor desligue das suas repetidas palavras, do seu repetido discurso, da sua repetida retórica e passe a concentrar-se quase exclusivamente naquilo que lhe é dado observar: um candidato que embora lidere destacadamente as sondagens, surge quase sempre "à defesa", pouco à vontade nas respostas, encrispado e com ar de quem está mortinho que tudo "isto" acabe. E tudo "isto" tem a ver, sobretudo, com as implacáveis críticas dos outros candidatos e o escrutínio da comunicação social.

Compreende-se o natural desconforto e ausência de vocação para suportar o lado mais folclórico de uma campanha eleitoral. Mas nem isso legitima a fuga à informação e ao debate. Pessoalmente estou convencido de que a pior estratégia neste combate eleitoral é a de ignorar os adversários ou comportar-se como se eles não existissem. Por outro lado, só um voto esclarecido confere qualidade às eleições. Mas se os candidatos presidenciais não se dão a conhecer um pouco mais do que já é do domínio público, não se pode falar de verdadeiro esclarecimento. Creio que Mário Soares têm procurado ir por aí, aproveitando todos os públicos e ocasiões para retoricamente melhor desvendar o seu "pensamento presidencial". Naturalmente que há sempre candidatos mais reservados do que outros. Há os que dizem quase tudo e os que quase nada dizem. Cada um possui, digamos, a sua "caixa negra" - o seu lado oculto, os seus receios, os seus pudores ou limitações - à qual mais ninguém tem o direito de aceder. E pelo que se tem observado parece não haver dúvidas: a "caixa negra" de Cavaco é bem maior do que a "caixa negra" de Soares. Mas uma coisa é certa: se Cavaco escolheu falar pouco, tanto mais retórico terá que ser.