15 novembro 2005

Excerto de um livro não anunciado (264)

A verdade é que confiança e risco são, e sempre foram, inerentes ao existir humano, tanto no que diz respeito à acção como ao pensamento. Por mais que se estude, por mais que se aprenda, aquilo que conhecemos é ínfimo se comparado com o que continuamos a ignorar. Além disso, regra geral, sabemos pouco sobre o que sabemos. Só a confiança nas fontes desse saber nos proporciona a indispensável estabilidade psicológica. Como diz Giddens, até “a confiança básica na continuidade do mundo tem de alicerçar-se na simples convicção de que ele continuará e isto é algo de que não podemos estar inteiramente seguros” (*). Que fazemos nós ao longo da vida senão confiar nos outros? Não utilizamos no dia-a-dia um conjunto de conhecimentos cujo fundamento e validade nunca nos foi dado testar? O que são as nossas relações sociais senão “laços baseados na confiança, uma confiança que não é predeterminada mas construída, e em que a construção envolvida significa um processo mútuo de autodesvendamento”? (**). Além disso quando, por exemplo, acendemos uma luz, abrimos uma torneira ou ligamos a televisão, não estamos a fazer mais do que reconhecer a nossa confiança naquilo a que Giddens chama de sistemas abstractos, que organizam e asseguram uma prestação de serviços cuja concretização ou funcionamento nem ousamos pôr em causa. Isso mostra como cada vez mais nos vemos forçados a confiar em princípios impessoais e em pessoas anónimas que estão por detrás desses sistemas e organizações. Faria sentido confiar em todas estas pessoas ausentes e não confiar num orador que temos à nossa frente, desenvolvendo uma argumentação que podemos acompanhar passo a passo, refutar e sancionar com a nossa eventual não adesão?

(*) Antony Giddens, (1996), Consequências da Modernidade, Oeiras: Celta Editora, p. 102
(**) Ibidem, p. 85