Intermitências da vida
Vale a pena viver por toda a eternidade? Ficamos a saber pelo JN de ontem que José Saramago acha que não. E até justifica: "se não morrêssemos, estaríamos condenados a uma velhice eterna. Seria a pior das perspectivas". Parece que este é o tema principal da sua mais recente obra "Intermitências da morte" onde, segundo anuncia o jornal, se pode ler "ao longo de 200 páginas de pura provocação, a história de uma nação que, de um dia para o outro, se viu a braços com 62 mil pessoas que não morriam". O romance será, por certo, mais um êxito. A ideia é que não é nova.
Num pequeno livro editado em Portugal, em 1994, pela Vega, sob o título Ética, Medicina e Técnica (trad. Fernando Cascais), Hans Jonas já formulava tal hipótese, tendo em conta que os incríveis progressos das ciências biomédicas e da engenharia genética poderão, a médio ou longo prazo, tornar possível um anormal prolongamento da vida e até a abolição da própria morte. A diferença é que enquanto no romance de Saramago estará em causa o futuro de uma cidade de algumas dezenas de milhar de habitantes, já a hipótese de Jonas alcança toda a humanidade. A semelhança é que Jonas, tal como Saramago, faz uma antevisão muito negativa do que seria (ou será?) esse mundo.
Não podendo aqui explanar cada um dos argumentos que me levam a não comungar do pessimismo de ambos, opto por deixar um pequeno excerto do meu livro "O Homem Com Medo de Si Próprio" que representa apenas uma parte da minha reacção aos receios e às dúvidas de Jonas:
"(...) o teor de algumas das interrogações que [Jonas] lança, a propósito das novas possibilidades de intervenção da técnica em domínios como o prolongamento da idade, a abolição da morte, a manipulação do comportamento e o controlo da espécie, podem ser, de algum modo, conotáveis com uma atitude “reaccionária”, face ao respectivo progresso cientifico. Com efeito, como explicar de outra forma o seu temor perante a possibilidade do prolongamento da vida, que, segundo ele conduziria a uma proporção decrescente de juventude numa população idosa? Alem do mais, esta sua conclusão, pressupõe que só variaria o prolongamento da idade, mantendo-se constantes todos os outros factores. Mas é sabido que o mundo não pára, como não pára a vida nem o saber. Se se enveredar pelo prolongamento da idade, é certo que vai aumentar o número de pessoas vivas, mas não se sabe se vai diminuir, automaticamente, o número de jovens. Porque por um lado, é de esperar que os avanços da técnica se orientem cada vez mais para o rejuvenescimento físico (e psicológico?) e por outro, estão já ao dispor do homem novos processos de reprodução humana de que a inseminação artificial e a fertilização in vitro são bons exemplos e a clonagem talvez o venha a ser, também, em breve. Cenário utópico, este? Mas não será muito mais utópico pensar - como parece acontecer com Jonas - que a condição humana parou de mudar, ou que a modificação do homem ocorrerá, no futuro, somente ao nível da sua forma de agir?"
Num pequeno livro editado em Portugal, em 1994, pela Vega, sob o título Ética, Medicina e Técnica (trad. Fernando Cascais), Hans Jonas já formulava tal hipótese, tendo em conta que os incríveis progressos das ciências biomédicas e da engenharia genética poderão, a médio ou longo prazo, tornar possível um anormal prolongamento da vida e até a abolição da própria morte. A diferença é que enquanto no romance de Saramago estará em causa o futuro de uma cidade de algumas dezenas de milhar de habitantes, já a hipótese de Jonas alcança toda a humanidade. A semelhança é que Jonas, tal como Saramago, faz uma antevisão muito negativa do que seria (ou será?) esse mundo.
Não podendo aqui explanar cada um dos argumentos que me levam a não comungar do pessimismo de ambos, opto por deixar um pequeno excerto do meu livro "O Homem Com Medo de Si Próprio" que representa apenas uma parte da minha reacção aos receios e às dúvidas de Jonas:
"(...) o teor de algumas das interrogações que [Jonas] lança, a propósito das novas possibilidades de intervenção da técnica em domínios como o prolongamento da idade, a abolição da morte, a manipulação do comportamento e o controlo da espécie, podem ser, de algum modo, conotáveis com uma atitude “reaccionária”, face ao respectivo progresso cientifico. Com efeito, como explicar de outra forma o seu temor perante a possibilidade do prolongamento da vida, que, segundo ele conduziria a uma proporção decrescente de juventude numa população idosa? Alem do mais, esta sua conclusão, pressupõe que só variaria o prolongamento da idade, mantendo-se constantes todos os outros factores. Mas é sabido que o mundo não pára, como não pára a vida nem o saber. Se se enveredar pelo prolongamento da idade, é certo que vai aumentar o número de pessoas vivas, mas não se sabe se vai diminuir, automaticamente, o número de jovens. Porque por um lado, é de esperar que os avanços da técnica se orientem cada vez mais para o rejuvenescimento físico (e psicológico?) e por outro, estão já ao dispor do homem novos processos de reprodução humana de que a inseminação artificial e a fertilização in vitro são bons exemplos e a clonagem talvez o venha a ser, também, em breve. Cenário utópico, este? Mas não será muito mais utópico pensar - como parece acontecer com Jonas - que a condição humana parou de mudar, ou que a modificação do homem ocorrerá, no futuro, somente ao nível da sua forma de agir?"
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