09 novembro 2005

Três questões do jornalismo

Aviso amigável: tamanho XL

Verifico que o provedor do DN também abordou (e em boa hora) o caso Rui Rio-JN. De salientar que o fez na sua qualidade de provedor e que, embora esclareça que não se trata de analisar ou colocar objecções ao editorial de António José Teixeira, naturalmente, não poderia deixar de o ter como referência obrigatória no seu douto comentário. Como o confirmam as inequívocas alusões que lhe faz, especialmente nestas duas passagens: Assinalei isso ao director, que, mais uma vez, me respondeu prontamente (…) e escreveu António José Teixeira em resposta ao meu e-mail. Mas ainda bem. O que não me parece tão bem, apesar do respeito e consideração com que leio tudo o que José Carlos Abrantes escreve, é que, de algum modo, tenha fugido ao assunto – como, aliás, já indiciava o seu título "Quem decide o que é notícia" – quando acaba por desenvolver analiticamente uma questão que o comunicado de Rui Rio nem sequer levanta, pois não é com a “notícia” que este último se mostra preocupado. Mas, como se verá, esta é apenas a primeira das minhas três discordâncias em relação ao texto do provedor do DN. Vamos então aos factos…e às razões.

Quem decide o que é notícia

Tanto quanto o comunicado da CMP permite concluir, Rui Rio pretende apenas evitar a deturpação jornalística das informações que venha a prestar à comunicação social e, pelos vistos, só à imprensa . Podemos discutir se o seu receio tem ou não tem razão de ser, se é ou não é legítimo. O que não podemos é deixar de nos cingir ao que ele realmente disse, tanto mais que, é precisamente contra falhas deste tipo que se quer (e muito bem) precaver. E do que realmente disse não se infere,
como parece sugerir José Carlos Abrantes, que queira decidir o que é notícia (também era o que faltava). Aliás, todos sabemos que um autarca tem acesso aos acontecimentos, aos factos, mas não à notícia, pois esta é da exclusiva competência profissional do jornalista. Um autarca pode relatar mais acontecimentos, menos acontecimentos, mais factos ou menos factos, pode fazê-lo oralmente ou por escrito, por telefone, na rádio ou na televisão, pode ser profundo ou superficial, contar tudo ou não contar nada. Mas é sempre ao jornalista que compete decidir sobre a noticiabilidade de tais factos em função dos respectivos índices de realidade, veracidade, actualidade, interesse público ou quaisquer outros que, na circunstância, considere mais relevantes. Ora se nada disto é novo, o que tem a ver a decisão de Rui Rio com a questão de saber quem decide sobre o que é notícia?

A legitimidade das entrevistas escritas

É legítimo haver entrevistas escritas? – pergunta retoricamente o provedor do DN que, por isso mesmo, logo adianta: só excepcionalmente. Mas o ponto é que não há aqui qualquer legitimidade de excepção, há, isso sim conveniência (ou não) em optar por esta ou aquela forma de entrevista. A entrevista escrita é perfeitamente legítima e, aliás, tornar-se-á porventura cada vez mais rotineira, devido às actuais concepções de espaço e de tempo. Não vieram as novas tecnologias fazer com que, cada vez mais, estar em todo o lado seja não sair de lado nenhum? Mas nem de propósito, ficamos a saber pelo próprio provedor que dias antes o DN (de que António José Teixeira é director) tinha publicado uma entrevista com Alberto Costa, ministro da Justiça, que fora dada por e-mail. E não colhe a desculpa adiantada pelo director do DN de que tal só acontece quando “o contacto directo não é viável”. Se o contacto directo não era viável e se do ponto de vista jornalístico considera, tal como o provedor, que a entrevista é, por natureza, presencial (1), pessoal, olhos nos olhos porque insistiu o seu jornal em dar ao email do ministro a forma de entrevista? Se o director do DN é, por sistema, contra as entrevistas escritas, não teria sido mais correcto e conforme às suas convicções jornalísticas elaborar uma notícia com base no conteúdo desse email, do que incorrer naquilo que agora tanto parece lhe repugnar e, ainda por cima, ao que suponho, sem disso ter dado prévio conhecimento ao leitor? Mas é claro que as entrevistas escritas são tão legítimas como por qualquer outro meio ou formato. No caso do email, então, torna-se até particularmente expedita a troca de informações, perguntas, pedidos de esclarecimento, novas perguntas, novas respostas, tudo praticamente ao instante. Quase apetece dizer que se é realmente informação e rigor que o jornalista procura, talvez nem haja meio mais eficaz e fidedigno do que a escrita, por exemplo, via email.

O direito a controlar a interpretação das suas palavras

O provedor considera ainda que é inquestionável que Em democracia, os agentes políticos não podem, ou não devem, recusar-se ao questionamento directo dos jornalistas, muito menos têm o direito de controlar a interpretação das suas palavras, como escreveu António José Teixeira em resposta ao seu e-mail. Passo por cima do “questionamento directo” que não surge suficientemente explicitado (pois, como se sabe, o questionamento escrito também pode ser directo ou indirecto) e vou, isso sim, directo à afirmação de que em democracia, os agentes políticos não têm o direito de “controlar a interpretação das suas palavras”. Ora essa. Se os agentes políticos que são entrevistados não têm o direito de controlar a interpretação que o jornalista faz das suas palavras quem tem afinal esse direito? (2) Defende António José Teixeira que o detentor de um cargo político que concede uma entrevista a um dado jornal e no dia seguinte lê com os seus próprios olhos que as suas palavras foram deturpadas, deve permanecer piedosamente quieto, calado e submisso? Mas que democracia seria essa? Vejo agora que, afinal, talvez faça algum sentido a conhecida expressão popular “toma lá que é democrático”.


(1) Seja-me permitido colocar as maiores reservas a esta caracterização da entrevista como “presencial, pessoal, olhos nos olhos” que me parece francamente ultrapassada. Será que as entrevistas pelo telefone, por teleconferência ou pela web, não são verdadeiras entrevistas?

(2) Evidentemente que já não têm o direito de controlar a interpretação que os leitores podem fazer das declarações que prestou, desde que tais declarações tenham sido veridicamente reproduzidas ou editadas. Mas também não é isso que está sobre a mesa.