03 janeiro 2008

Todo o dizer autêntico não só diz algo, como o diz alguém a alguém * (1)

"Mal posso esperar melhor fortuna quando estou persuadido que falar é uma operação muito mais ilusória do que normalmente se crê (...). Definimos a linguagem como meio que serve para manifestarmos os nossos pensamentos. Mas uma definição, se é verídica, é irónica, implica reservas tácitas, e quando não é interpretada assim produz resultados funestos. Tal como esta. O que menos importa é a linguagem servir também para ocultar os nossos pensamentos, para mentir. A mentira seria impossível se o falar primário e normal não fosse sincero. A moeda falsa circula sustida pela moeda sã. Ao fim e ao cabo, o engano é um humilde parasita da ingenuidade. Não; o mais perigoso daquela definição é o acrescento optimista com que costumamos ouvi-la. Porque ela própria não nos assegura que possamos por meio da linguagem manifestar com suficiente adequação todos os nossos pensamentos." (**)

(*) Cf. modelo comunicacional da retórica aristotélica
(**) Ortega y Gasset, (2007), A Rebelião das Massas, Lisboa: Relógio D'Água, p. 8