04 julho 2004

Parece mas não é (jornalismo)

Há dias interpelei o Provedor dos Leitores do "Jornal de Notícias" sobre uma prática cada vez mais generalizada nos diferentes órgaos de informação e que é a de se dar uma aparência de jornalismo à publicidade ou a "conteúdos informativos" de cariz essencialmente comercial.

Na sua edição de hoje (p. 25) o JN traz a resposta a essa minha questão onde tanto o Provedor como o director de Redacção do JN assumem uma posição que merece digno registo e congratulação, como abaixo se documenta.


CARTA AO PROVEDOR:

Dig.º Sr. Provedor,

Reparei que no "Notícias Magazine" do passado domingo [20 Junho 2004], o texto da entrevista feita a Margaret Doody, autora do livro "Aristóteles Detective", vinha encabeçado pelo nome da jornalista Ana Teresa Ferreira e pelo seu endereço de e-mail. Não tenho o prazer de conhecer ou ter ouvido falar no nome desta entrevistadora mas, para o caso, nem isso importa por aí além. Como leitor diário do JN, conheço a sua credibilidade institucional, e isso faz-me confiar nos princípios ético-jornalísticos de cada um dos seus colaboradores. Mas quando o endereço de email da dita entrevistadora remete para o “Círculo dos Leitores” (www.circuloleitores.pt) poderei ainda manter essa mesma confiança? Dir-se-á que o "Notícias Magazine" não é propriamente o "JN", que se trata apenas de um suplemento, com direcção autónoma, etc, etc. mas o argumento não colhe. E não colhe por diversas razões que não cabe aqui explanar nem seria preciso, já que o próprio suplemento acaba com todas as dúvidas, logo no topo da capa, onde se pode ler: “Este suplemento faz parte do Jornal de Notícias”. Isso mesmo, “faz parte”. E se faz parte, o que mais terá pesado na publicação desta entrevista? Os critérios jornalísticos do "JN" ou os (legítimos) interesses comerciais da editora de Margaret Doody em Portugal? Seja qual for a resposta, deveriam ser refreadas todas as tentativas de dar à publicidade uma aparência jornalística, expediente que, por si só, desqualifica e compromete a desejável relação de transparência entre o jornal e os seus leitores.

Melhores cumprimentos

Américo de Sousa


RESPOSTA DO PROVEDOR:

Condições para confiar no jornal

No início de Junho, aludi, neste espaço, às vantagens e inconvenientes que poderão decorrer do facto de o jornal incorporar publicações que são produzidas por equipas editoriais autónomas relativamente à sua Direcção Editorial. O leitor Américo de Sousa escreveu ao provedor sobre um outro caso. Observa ele que, na "Noticias Magazine" de 20 de Junho último, é publicada uma entrevista com Margaret Doody, autora do livro "Aristóteles Detective", cuja editora em Portugal é a mesma que aparece no endereço de correio electrónico da entrevistadora. "Como leitor diário do JN conheço a sua credibilidade institucional, e isso faz-me confiar nos principios ético-jornalísticos de cada um dos seus colaboradores" - salienta. Contudo, o facto apontado leva-o a interrogar-se sobre se poderá ainda manter essa confiança. E dizer que a "Noticias Magazine" tem direcção autónoma é argumento que para este leitor "não colhe", já que a revista traz, logo na capa, a advertência "de que "faz parte do JN''. "E se faz parte - acrescenta - o que mais terá pesado na publicação desta entrevista? Os critérios jornalísticos do JN ou os (legítimos) interesses comerciais da editora de Margaret Doody em Portugal? Seja qual for a resposta, deveriam ser refreadas todas as tentativas de dar à publicidade uma aparência jornalística, expediente que, por si só, desqualifica e compromete a desejável relação de transparência entre o jornal e os seus leitores". Sobre este assunto, o director de Redacção do JN menciona, em comentário ao sucedido, o facto de se ter tratado de um caso pontual, em que a entrevistadora dispunha de condições únicas de acesso a entrevistada. Mas reconhece que o leitor tem razão e põe correctamente o problema. O caso, em si mesmo, parece coisa menor. Mas não é. A credibilidade do jornal joga-se aqui.

Provedor dos Leitores - Manuel Pinto in JN de 04 Julho 2004