Aprender versus ensinar
Estará a aprendizagem para a liberdade assim como o ensino está para a opressão?
Esta foi a primeira de três questões mais ou menos avulsas que formulei nos Comentários do Conversamos onde Lucília Nunes acabara de explicitar o sentido que dá a uma das suas “palavras mui amadas”: aprender. A Lucília - partindo (e bem) do princípio que o meu “está para” remete para uma relação de tipo analógico - já teve a amabilidade de me responder que não. E explica porquê: “Porque o ensino não oprime necessariamente e a aprendizagem liberta quem por ela se deixa ou quer libertar”. Tenho a sensação (apenas isso) de que, como tantas vezes acontece no diálogo (muito mais no regime da escrita do que no da oralidade) também aqui, uma boa parte da nossa diferença de entendimento pode ficar a dever-se não só à ambiguidade da própria palavra como a não coincidentes perspectivas de analisar o mesmo fenómeno. Mas isso é o que logo veremos. Por agora, aproveitarei o meu comentário à resposta da Lucília para precisar um pouco mais (e se possível, melhor) o sentido da minha questão.
1.
É um facto que recorri a uma analogia. Mas uma analogia, como ensina Perelman, é uma semelhança de relação e não uma relação de semelhança. Foi a esta semelhança de relações que me referi: a semelhança da relação entre a aprendizagem e a liberdade, com a relação entre o ensino e a opressão. Tal semelhança de relação também não implica que no terreno dos factos, a aprendizagem leve necessariamente à liberdade e o ensino conduza necessariamente à opressão. Os conceitos de liberdade e opressão são aqui tomados, portanto, do ponto de vista da sua dimensão estrutural e objectiva, ou seja, inteiramente “desintencionados”. E é nestes precisos termos que se mostram analiticamente cotejáveis com duas actividades distintas mas naturalmente vizinhas e complementares: aprender e ensinar.
2.
A proposta é, pois, a de observar a realidade e dela abstrair as suas características estruturantes. É olhar, desde logo, para uma qualquer relação professor-aluno e perceber que nela existe uma evidente assimetria relacional de saber e poder, que redunda na imposição ao aluno de um dado “package” de saberes e condutas. É neste sentido que o ensino sempre pré-delimita a liberdade de escolha do aluno ou aprendiz, e ao fazê-lo, necessariamente oprime ou impõe. Tem toda a razão a Lucília quando lembra que “o ensino não oprime necessariamente”. Mas também não deixa de ser elucidativo que tenha recorrido a uma expressão modal (necessariamente) para negar a opressão do ensino. Ora dizer que “o ensino não oprime necessariamente” não é ainda afirmar que o ensino não oprime. Tal como, pela minha parte, perguntar se a aprendizagem está para a liberdade assim como o ensino está para a opressão, não é ainda afirmar que o ensino é opressão. O que é então? É, simplesmente, reconhecer que a aprendizagem favorece a liberdade de formação cultural enquanto que o ensino emerge de uma estrutura forçosamente impositiva de saberes e até de valores.
3.
Não se trata, assim, de defender ou preconizar uma utópica liberdade de aprender nem, muito menos, de condenar ou de desqualificar o ensino, mesmo admitindo que, como sustenta Olivier Reboul, “pode-se aprender, e até muito, sem professor e até sem ensino” e inversamente “pode-se receber um ensino sem nada aprender”. Do que se trata é de reconhecer que o ensino é por natureza, autoritário e opressor, na medida em que se impõe ao livre aprender. E é justamente a consciencialização desta “distância” entre quem aprende e quem ensina, que poderá estar na base de uma atitude mais compreensiva, motivadora e tolerante (diria mais persuasiva) por parte do professor, naturalmente que sem quebra dos seus poderes de direcção. Tenho aliás forte suspeita de que é o que acontece na maioria das situações que fazem jus à central afirmação da Lucília: “o ensino não oprime necessariamente”.
Esta foi a primeira de três questões mais ou menos avulsas que formulei nos Comentários do Conversamos onde Lucília Nunes acabara de explicitar o sentido que dá a uma das suas “palavras mui amadas”: aprender. A Lucília - partindo (e bem) do princípio que o meu “está para” remete para uma relação de tipo analógico - já teve a amabilidade de me responder que não. E explica porquê: “Porque o ensino não oprime necessariamente e a aprendizagem liberta quem por ela se deixa ou quer libertar”. Tenho a sensação (apenas isso) de que, como tantas vezes acontece no diálogo (muito mais no regime da escrita do que no da oralidade) também aqui, uma boa parte da nossa diferença de entendimento pode ficar a dever-se não só à ambiguidade da própria palavra como a não coincidentes perspectivas de analisar o mesmo fenómeno. Mas isso é o que logo veremos. Por agora, aproveitarei o meu comentário à resposta da Lucília para precisar um pouco mais (e se possível, melhor) o sentido da minha questão.
1.
É um facto que recorri a uma analogia. Mas uma analogia, como ensina Perelman, é uma semelhança de relação e não uma relação de semelhança. Foi a esta semelhança de relações que me referi: a semelhança da relação entre a aprendizagem e a liberdade, com a relação entre o ensino e a opressão. Tal semelhança de relação também não implica que no terreno dos factos, a aprendizagem leve necessariamente à liberdade e o ensino conduza necessariamente à opressão. Os conceitos de liberdade e opressão são aqui tomados, portanto, do ponto de vista da sua dimensão estrutural e objectiva, ou seja, inteiramente “desintencionados”. E é nestes precisos termos que se mostram analiticamente cotejáveis com duas actividades distintas mas naturalmente vizinhas e complementares: aprender e ensinar.
2.
A proposta é, pois, a de observar a realidade e dela abstrair as suas características estruturantes. É olhar, desde logo, para uma qualquer relação professor-aluno e perceber que nela existe uma evidente assimetria relacional de saber e poder, que redunda na imposição ao aluno de um dado “package” de saberes e condutas. É neste sentido que o ensino sempre pré-delimita a liberdade de escolha do aluno ou aprendiz, e ao fazê-lo, necessariamente oprime ou impõe. Tem toda a razão a Lucília quando lembra que “o ensino não oprime necessariamente”. Mas também não deixa de ser elucidativo que tenha recorrido a uma expressão modal (necessariamente) para negar a opressão do ensino. Ora dizer que “o ensino não oprime necessariamente” não é ainda afirmar que o ensino não oprime. Tal como, pela minha parte, perguntar se a aprendizagem está para a liberdade assim como o ensino está para a opressão, não é ainda afirmar que o ensino é opressão. O que é então? É, simplesmente, reconhecer que a aprendizagem favorece a liberdade de formação cultural enquanto que o ensino emerge de uma estrutura forçosamente impositiva de saberes e até de valores.
3.
Não se trata, assim, de defender ou preconizar uma utópica liberdade de aprender nem, muito menos, de condenar ou de desqualificar o ensino, mesmo admitindo que, como sustenta Olivier Reboul, “pode-se aprender, e até muito, sem professor e até sem ensino” e inversamente “pode-se receber um ensino sem nada aprender”. Do que se trata é de reconhecer que o ensino é por natureza, autoritário e opressor, na medida em que se impõe ao livre aprender. E é justamente a consciencialização desta “distância” entre quem aprende e quem ensina, que poderá estar na base de uma atitude mais compreensiva, motivadora e tolerante (diria mais persuasiva) por parte do professor, naturalmente que sem quebra dos seus poderes de direcção. Tenho aliás forte suspeita de que é o que acontece na maioria das situações que fazem jus à central afirmação da Lucília: “o ensino não oprime necessariamente”.
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