As palavras e o mundo da vida
É o Dia da Alimentação. Ou seja, dia da fome; se uma palavra parece negativa, converte-se em positiva e tudo fica mais sereno.
Haro Tecglen (*) - (in JN de 21 Outubro 2005)
Como diria Bertolt Brecht, a celebração de um dia "anual" seja do que for, justifica-se pela excepção e não pela regra. Por exemplo, se se comemora um "Dia Anual do Ambiente" é porque os restantes dias do ano não o são (atente-se nas repetidas agressões ambientais, essas sim, diárias...). Pela mesma razão só se justifica um "Dia da Alimentação" enquanto houver fome no mundo.
Temos assim que se trata de um verdadeiro "Dia da Fome" pois é também a quem passa fome que se destina. Mas perante as conhecidas limitações genético-culturais do nosso entendimento, a palavra é poderosa e faz milagres. Dizer de uma garrafa que está meio meio vazia sugere sempre ou quase sempre uma realidade menos positiva do que apresentá-la como meio cheia. Tal como falar em "Dia da Alimentação" se torna muito mais positivo ou agradável do que anunciar cruamente um "Dia da Fome", ainda que a realidade subjacente seja exactamente a mesma.
Há aqui como que um mascaramento referencial da linguagem que, de tão presente e repetido em múltiplas situações comunicacionais do quotidiano, acaba por iludir a mais atenta vigilância crítica. É o que se passa, por exemplo, no mundo dos seguros onde as diferentes Companhias ainda hoje chamam Seguro de Vida a uma apólice que, afinal, só funciona em caso de morte. São as palavras e o mundo da vida.
(*) Foi escritor e jornalista do "El País".
Haro Tecglen (*) - (in JN de 21 Outubro 2005)
Como diria Bertolt Brecht, a celebração de um dia "anual" seja do que for, justifica-se pela excepção e não pela regra. Por exemplo, se se comemora um "Dia Anual do Ambiente" é porque os restantes dias do ano não o são (atente-se nas repetidas agressões ambientais, essas sim, diárias...). Pela mesma razão só se justifica um "Dia da Alimentação" enquanto houver fome no mundo.
Temos assim que se trata de um verdadeiro "Dia da Fome" pois é também a quem passa fome que se destina. Mas perante as conhecidas limitações genético-culturais do nosso entendimento, a palavra é poderosa e faz milagres. Dizer de uma garrafa que está meio meio vazia sugere sempre ou quase sempre uma realidade menos positiva do que apresentá-la como meio cheia. Tal como falar em "Dia da Alimentação" se torna muito mais positivo ou agradável do que anunciar cruamente um "Dia da Fome", ainda que a realidade subjacente seja exactamente a mesma.
Há aqui como que um mascaramento referencial da linguagem que, de tão presente e repetido em múltiplas situações comunicacionais do quotidiano, acaba por iludir a mais atenta vigilância crítica. É o que se passa, por exemplo, no mundo dos seguros onde as diferentes Companhias ainda hoje chamam Seguro de Vida a uma apólice que, afinal, só funciona em caso de morte. São as palavras e o mundo da vida.
(*) Foi escritor e jornalista do "El País".
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