22 outubro 2007

Quando o pior mal é o mal humano

Acabei de ver, na RTP2:
Alberta Fernandes entrevistando Gonçalo M. Tavares. Uma entrevista penosa. Penosa para a jornalista que não atinava com pergunta condigna. Penosa para o escritor, que se via exposto a um rasteiro questionamento. Até que a entrevistadora resolveu meter a viola ao saco e deixar, finalmente, que o escritor nos falasse sobre o seu actual tema de reflexão. Agora sim. Havia algo de importante para pensar. Algo que precisamos de repetir sempre, uma e outra vez, se possível, com a clarividência com que Gonçalo M. Tavares o fez, neste breve passo da entrevista:

AMF: qual é e o que é que quer fazer pensar? Quer... acrescentar algo na lucidez no leitor, o que é que quer acrescentar, em que é que quer fazer pensar?

GMT: (...) basicamente o tema, se quisermos simplificar um pouco, o tema é o mal nestes quatro livros...é um pouco...eu tenho um fascínio pelo mal, fascínio no sentido original da palavra que é ficar imobilizado sem saber o que fazer e eu fico...

AMF: Quer perceber o mal, tenta procurar perceber os mecanismos do mal?

GMT: Sim porque eu percebo alguns tipos de mal ou seja eu percebo o mal quando é praticado por alguém que quer... que tem a vida em risco, por exemplo, eu percebo perfeitamente esse mal, eu percebo o mal praticado por alguém que tem fome ou que luta pela sobrevivência mais básica, eu percebo esse mal. Mas, por exemplo não percebo o mal que é praticado sobre alguém que não tem a mínima defesa por parte de alguém que não tem a sua sobrevivência em risco.

AMF: Não percebe o mal pelo poder, por exemplo, apenas pelo poder?

GMT: Não. Por exemplo até a ideia de tortura é qualquer coisa que imobiliza e que importa ser entendido ou seja alguém que não se pode defender e o mal ser praticado sobre alguém que não se pode defender ou que não pode praticar mal a outro ou seja isto é algo que é perfeitamente 'humanesco' no sentido de que não há em mais nenhuma espécie animal esta ideia de tortura, por exemplo. Os animais praticam o mal de uma forma muito mais humana, entre áspas, se quiser.

AMF: Só o praticam quando é necessário...

GMT: Sim quando têm fome ou quando têm muito medo ...quando o homem é particularmente extraordinário nisso e por isso é que eu acho que nós devemos substituir o termo "animalesco" por "humanesco".