Pedro Bidarra (*), no "Dinheiro Vivo" (JN) de hoje, critica a pobreza persuasiva dos discursos dos nossos actuais políticos (incluindo a do mais recente discurso presidencial):
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Exmo. Sr. Presidente da Repú
blica, E
xmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, minhas senhoras e meus senhores:
Neste passado dia 5 de Outubro os discursos da nossa classe política, seguindo o costume da terra, foram todos muito graves, muito chatos e muito pesados; foram todos muito maus, como é costume.
É doloroso para mim, que sou da escrita e da comunicação, ouvir esta velha e datada retórica republicana, sem emoção nem nobreza, sem modernidade nem futuro e que narra apenas a desgraça do quotidiano.
É normal dizer-se que não se fazem discursos como antes, que já não há Kennedy nem Luther King nem Churchill. Mas esse não é o problema. O problema é que cá na terra ainda se fazem discursos como antes. A oratória, que não é arte estática e evolui com os costumes e os media, tem permanecido, por cá, inalterada a ponto de políticos novos, como o António José Seguro, soarem, quando discursam, mais velhos do que os velhos, como se tivessem frequentado uma escola de pose republicana. A retórica dos nossos políticos é velha e soa a velha. Os seus discursos, com raríssimas excepções, são a banda sonora do fim de um velho regime, moribundo num atasco de dívidas.
Não admira, portanto, que todas as velhas figuras e responsáveis deste regime, desde o velho Fazenda ao velho Soares, passando pelos novos velhos, tenham aplaudido o discurso do Presidente. É o tom do regime que eles aplaudem, o desfilar de argumentos que agradam a gregos e a troianos, a repetição de la palacianas evidências, entregues num pathos grave, para dar peso à mensagem. E qual foi ela? A narrativa, o logos do discurso?
Apenas um apanhado de tudo o que se diz e escreve nos media, um resumo das notícias e opiniões dos actores secundários desta tragédia que são os jornalistas e os opinadores profissionais: que gastamos o dinheiro que nos mandaram e mais o que pedimos emprestado, que vivíamos acima das nossas possibilidades, que agora acabou, que vai voltar a pobreza que era onde estávamos quando a democracia começou.
Como se ainda não tivesse sido dito, como se a notícia da desgraça só fosse oficial se saída da boca de Sua Excelência o PR. Mas já foi dito. E mesmo que tenha de ser dito outra e outra vez, o PR deve dizê-lo diferente.
Não precisa estar escrito na Constituição que um dos poderes presidenciais é o de mobilizar e convocar a esperança. Isso é algo que um líder faz assim consiga inspirar, pela palavra, quem o ouve. Um discurso, quando é bem escrito, é uma arma eficaz. O seu poder, que é o poder da arte, é imenso, pois é capaz de tocar a razão e o coração e de mobilizar vontades para a acção. O PR podia ter usado o poder da oratória para o bem em vez de para o tédio. Para a esperança em vez de para o medo.
Discursos houve que ajudaram a derrubar tiranos, a mudar sistemas, a corrigir injustiças, mas este, o que oiço diariamente, nada faz para combater o desespero nem para convocar a coragem necessária para enfrentar a besta da pobreza que se aproxima. Este, o que oiço diariamente, não é escrito por pessoas para pessoas, é escrito por polítcos para políticos. Políticos paternalistas e narcisos a olhar para si e para as suas carreiras, e com distância para o povo.
A oratória pode ser usada para o bem e para o mal. O desespero e o medo em que começamos a viver é propício à oratória demagógica e é pasto para o mal. E o mau discurso do regime, sem emoção, nem esperança, não ajuda."
(*) Chief Creative Officer e vice-presidente da BBDO
in www.dinheirovivo.pt