31 julho 2007

Excerto de um livro não anunciado (387)

Foi neste entendimento que procedemos a uma análise da manipulação “retórica” não focalizada unicamente sobre o orador, como é corrente acontecer, mas, mais exactamente, sobre o par manipulador-manipulado, no pressuposto de que este último é sempre co-responsável pelo engano de que possa ser alvo. Numa palavra, à eventual mentira do orador não tem que, necessariamente, seguir-se o engano do auditor. O manipulado não pode ser visto como autómato ou presa fácil de um qualquer orador menos escrupuloso, sob pena disso ofender a sua própria dignidade de ser humano. É o exercício da sua autonomia e liberdade de formação pessoal que o constitui como responsável pelos seus actos. E o acto retórico corresponde apenas a uma entre tantas outras situações do seu percurso existencial, em que igualmente é chamado a compreender o que se passa à sua volta, a avaliar e a tomar decisões. Mas seria talvez muito ingénuo fundar os abusos retóricos exclusivamente na ignorância de quem escuta, traduzida esta última por um desconhecimento temático que abriria as portas ao abuso de confiança do orador. Quisemos, por isso, analisar também os efeitos da sugestão, da sedução e, de um modo geral, de todos os meios persuasivos que, dir-se-ia, apelam mais à emoção do que à razão. Verificar até que ponto a capacidade crítica e a competência argumentativa dos destinatários da retórica podem, na esfera da decisão, vir a ser relegadas para um segundo plano, por uma palavra especialmente dirigida à sua sensibilidade.

29 julho 2007

Pedrito e a chicuelina falhada

Em declarações ao Sol de ontem, o "matador" Pedrito de Portugal ensaia este vistoso "lance":

"Sou contra maus tratos a animais. O animal sofre menos se for morto a seguir à lide"

Temos, portanto, que para o nosso toureiro, a morte não chega a ser um mau trato. Mas, conceitos à parte: tem alguma lógica ser contra os maus tratos a animais e, ao mesmo tempo, a favor da sua morte?

Os touros podem dar boa lide, mas as palavras não se deixam tourear. Tenha lá paciência, caro Pedrito: desta vez, falhou a chicuelina.

28 julho 2007

Chegou o verão

Hoje: 33 graus. O calor, finalmente. Primeiro dia de verão, no Porto.

Parece mas não é ou é mas não parece?

Pelos vistos, o propalado inquérito da Procuradoria à equipa de Maria José Morgado, não é afinal à equipa de Maria José Morgado mas sim ao teor das declarações da irmã de Carolina Salgado e às circunstâncias em que foram prestadas.

Ora nessas declarações
Ana Salgado, irmã gémea da ex-companheira de Pinto de Costa, acusou alguns elementos da equipa de Maria José Morgado de uma alegada instrumentalização do testemunho da autora do livro ‘Eu, Carolina’.

Se é a mesma coisa? Francamente: hesito entre um parece mas não é, e um é mas não parece. E cada vez me convenço mais de que a vida é feita de subtilezas.



O problema da investigação da investigação

Apito Dourado: PGR decidiu abrir inquérito à equipa de Maria José Morgado (Lusa, 28 Julho 2007)
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Nomeia-se uma primeira equipa de investigação para investigar os suspeitos mas estes fazem saber que também suspeitam dessa primeira equipa de investigação.

Nomeia-se então uma
segunda equipa de investigação para investigar a primeira equipa de investigação.

Se adrega da primeira equipa de investigação vir a suspeitar da segunda equipa de investigação, impõe-se a nomeação de uma terceira equipa de investigação que por sua vez pode também vir a parecer suspeita aos olhos da segunda equipa de investigação. E assim sucessivamente, ad infinitum.

Problema:

Sabendo-se que um dia a investigação terá que parar, sob pena de nada ficar investigado, quantas mais equipas de investigação se poderão nomear para investigar as anteriores equipas de investigação?


Falhanço e mau perder


"Falhamos o nosso objectivo, mas não foi por nossa culpa, nem por culpa dos jogadores",- apressou-se a dizer José Couceiro logo após o fracasso da campanha dos sub-21 quando nem se sonhava ainda com aquela que viria a ser a vergonhosa conduta dos sub-20, também sob o seu comando. Como na altura já deixei entender, pode-se tolerar o falhanço mas não o "mau perder", principalmente num treinador que trabalha com a juventude do nosso futebol. Quem sabe se não começou justamente aí o seu agora anunciado despedimento da Federação Portuguesa de Futebol.

26 julho 2007

O Retorica em letra de imprensa

Nos "Blogues em papel" do Público de ontem:
(Para ler, clicar na imagem)

Quem sorri como sorri o banqueiro?

Ricardo Espírito Santo Salgado "veio" hoje a minha casa, via TV, anunciar que o seu banco teve no primeiro semestre deste ano um aumento de mais de 80% nos lucros. Mais de 80%... repito.

Do ponto de vista da gestão empresarial, posso perceber o sorriso de contentamento que lhe ia na alma. Mas num país em dificuldades e de bolsos vazios, não caberia um pouco mais de pudor? Quem pode hoje sorrir como sorri o banqueiro?

23 julho 2007

É preciso ter coragem

Segundo o Público, Marques Mendes terá afirmado ontem, em entrevista no telejornal da RTP, que o presidente da Câmara de Gaia "não tem coragem para concorrer".

Marques Mendes não era assim. Marques Mendes mudou muito. O Marques Mendes que o país conhecia de outros lugares e funções, no Governo e fora dele, não cairia no ridículo de vir falar de coragem a propósito de uma mera candidatura à presidência do PSD. Onde se vê a bravura? Onde pára o risco? É isso que a coragem significa para Marques Mendes? Haja tento.

E agora que Filipe Menezes já anunciou que se vai candidatar? Qual dos dois será realmente mais "corajoso"? O que luta contra o "aparelho" ou o que nele se apoia para de novo se levantar?



22 julho 2007

Excerto de um livro não anunciado (386)

Foi neste entendimento que procedemos a uma análise da manipulação “retórica” não focalizada unicamente sobre o orador, como é corrente acontecer, mas, mais exactamente, sobre o par manipulador-manipulado, no pressuposto de que este último é sempre co-responsável pelo engano de que possa ser alvo. Numa palavra, à eventual mentira do orador não tem que, necessariamente, seguir-se o engano do auditor. O manipulado não pode ser visto como autómato ou presa fácil de um qualquer orador menos escrupuloso, sob pena disso ofender a sua própria dignidade de ser humano. É o exercício da sua autonomia e liberdade de formação pessoal que o constitui como responsável pelos seus actos. E o acto retórico corresponde apenas a uma entre tantas outras situações do seu percurso existencial, em que igualmente é chamado a compreender o que se passa à sua volta, a avaliar e a tomar decisões. Mas seria talvez muito ingénuo fundar os abusos retóricos exclusivamente na ignorância de quem escuta, traduzida esta última por um desconhecimento temático que abriria as portas ao abuso de confiança do orador. Quisemos, por isso, analisar também os efeitos da sugestão, da sedução e, de um modo geral, de todos os meios persuasivos que, dir-se-ia, apelam mais à emoção do que à razão. Verificar até que ponto a capacidade crítica e a competência argumentativa dos destinatários da retórica podem, na esfera da decisão, vir a ser relegadas para um segundo plano, por uma palavra especialmente dirigida à sua sensibilidade.

19 julho 2007

Empenho à cunha

Declara Miguel Veiga ao JN de hoje:

"Nunca meti nenhuma cunha. Mas empenho, sim"

Procurei o significado de "cunha" no dicionário Texto Editores Universal e encontrei:

> Cunha - fig., empenho, pessoa que serve de empenho.

E concluí que se o dicionário está certo:

Miguel Veiga nunca meteu nenhuma cunha. Mas cunha, sim.

17 julho 2007

Excerto de um livro não anunciado (385)

Mas porque consideramos que são as acusações de que a retórica não passa de um instrumento de engano e manipulação que mais têm contribuído para o generalizado descrédito em que a mesma ainda se encontra, entendemos que a questão justificava uma atenção muito especial neste nosso trabalho. E a principal ideia que formamos foi a de que a retórica, mais do que uma prática discursiva especialmente favorável para induzir o outro ao engano, constitui, isso sim, um espaço de discutibilidade e afirmação das subjectividades em presença que, por si só, garante ao auditor a possibilidade de dizer não e, inclusivamente, de justificar a sua recusa. Para tanto, basta que a competência argumentativa não seja um exclusivo do orador e se estenda igualmente ao auditório a quem se dirige, pois também só nessa condição se poderá verdadeiramente falar de uma situação retórica, no sentido perelmaniano. Sem a competência argumentativa é a própria ética da discutibilidade que perde todo o sentido. Sem a discutibilidade não há sequer argumentação, nem tão pouco seria precisa. Neste caso, o destinatário da mensagem, pura e simplesmente, passa de receptor a mero receptáculo.

15 julho 2007

Enfim

Vai para uma semana que cá não venho mas não se passa nada. Ou melhor, passa-se sim: entreguei-me às autoridades. Que é o que são os que me têm há vários dias sob prisão preventiva: John Searle, Daniel Dennett, Steven Pinker, David Hume, Kant e Aristóteles. Sairei amanhã em liberdade mas, como sempre, levarei saudades. Enfim, não se pode ter tudo.

09 julho 2007

Excerto de um livro não anunciado (384)

É nesta racionalidade interrogativa que Meyer se apoia, não apenas para caracterizar o logos próprio da argumentação, como também para distinguir os diferentes usos da retórica, conforme o orador vise uma aprovação lúcida e crítica ou pretenda manipular o auditório para obter, a todo o custo, o vencimento das suas teses. Assim, o discurso será tanto mais manipulador, quanto mais ele suprimir ou esconder a interrogatividade das suas propostas, com o evidente propósito de se furtar à sua crítica e discussão. Pela nossa parte, aludimos, aliás, a outros critérios ou procedimentos que favorecem a detecção dos usos abusivos da retórica, embora deixando bem vincada a nossa convicção de que o melhor antídoto ainda será a atenção, a prudência e a capacidade crítica que os respectivos destinatários souberem e puderem exercer em cada situação concreta.

07 julho 2007

Maravilhas da blogosfera

Via Bomba Inteligente, chego a estas Sete maravilhas impessoais da blogosfera. As primeiras três, então, são verdadeiros monumentos ao engenho de quem as esculpiu: O Jansenista.

04 julho 2007

A piscadela "jornalística"

Por algum acaso hiperlinkiano fui hoje parar a este post do Manuel Pinto (de há 2 anos e 4 meses atrás!) através do qual tomo conhecimento (vale mais tarde do que nunca) de que Vítor Malheiros, do Público, alertou por essa altura que os valores fundadores do jornalismo se poderiam estar a diluir com a contaminação da "lógica" da blogosfera. Verifico igualmente que o insigne cronista descrevia assim um dos maléficos efeitos dessa contaminação:

"Mais do que relatores, os jornalistas tornaram-se comentadores, fontes de apartes, piscadelas de olho e cotoveladas cúmplices no leitor"


Não sei se Vítor Malheiros ainda pensa o mesmo, mas depois de ter assistido há 1 hora atrás a mais uma gratuita e disparatada piscadela de olho do jornalista doutor José Rodrigues dos Santos no final da sua apresentação do telejornal, já não sei o que contamina mais: se a lógica da blogosfera, se a lógica deste tipo de jornalismo.

03 julho 2007

Excerto de um livro não anunciado (383)

O reconhecimento de que as estruturas taxionómicas e definicionais de Perelman correspondem, sobretudo, a uma visão acentuadamente lógica da argumentação que de modo algum permite captar tanto a sua dinâmica interaccional como as marcas afectivo-emocionais que nela deixam os respectivos intervenientes, motivou-nos para um aprofundamento da relação retórica também a partir dos próprios sujeitos que são a sua razão de ser, que lhe conferem vida e lhe dão cor. Fomos assim conduzidos a um novo cenário retórico onde os actores, ao invés de se limitarem a debitar os seus papéis com o único propósito de obter a aprovação geral do auditório, tomam antes consciência do carácter problemático do seu discurso e estimulam o público presente a participar na própria representação, que assim se constitui como enriquecedora instância de questionamento. Com efeito, tal como propõe Meyer, a procura do consenso para que se orienta a retórica pode ser vista como um processo de questionação, plural e contraditório, que visa essencialmente a negociação da distância entre os sujeitos. Uma distância que tem a sua raiz na problematicidade inerente à condição humana, às suas paixões, à sua razão, ao seu discurso e que dita a presença de uma interrogatividade em contínuo nas diferentes fases do processo de argumentação.

01 julho 2007

Para dizer tudo

Bomba Inteligente. Uma palavra de luz na blogosfera. E sempre, sempre, tão amável. Para dizer tudo: distinta.