20 dezembro 2004

Excertos de um livro não anunciado (213)

Mas o que é afinal a opinião? Philippe Breton definiu-a como “conjunto das crenças, dos valores, das representações do mundo e das confianças noutros que um indivíduo forma para ser ele próprio” (*). Independentemente, porém, da maior ou menor coerência com que se estruture, a opinião não se constitui nunca como definitiva ou imutável, antes se encontra sujeita a uma perpétua mutação, pela consideração e confronto com outras opiniões. A opinião está, portanto, no centro da argumentação, da discutibilidade. Significará isso que tudo é discutível?

Breton assinala três grandes domínios que escapam à opinião, por se integrarem na certeza: a ciência, a religião e os sentimentos. Com efeito, os resultados científicos não se discutem, impõem-se a todos, graças às suas características de objectividade e universalidade. Se existem controvérsias neste domínio elas confinam-se ao círculo restrito dos próprios cientistas e, ainda assim, subordinam-se a específicas regras técnicas, elas mesmas em ruptura com o senso comum, próprio das opiniões. Enquanto o conhecimento científico se situa do lado da objectividade e da verdade, a opinião emerge da subjectividade, do verosímil. Aliás, se a opinião fosse uma certeza objectiva, infalível, a argumentação deixaria de fazer qualquer sentido, pois não se argumenta contra o que é evidente e necessário.

(*) Breton, P., (1998), A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, p. 29


19 dezembro 2004

Conduzir amarrado

Tomei conhecimento (*) que o nosso amigo Alberto Gonçalves foi multado por conduzir sem cinto e que, embora pagando a multa, se se vir forçado isso, continuará a reservar para si a prerrogativa de se esquecer ocasionalmente de adereços, visto que nos seus desleixos manda ele. Em suma, percebe-se que não terá sido o seu momento mais feliz do ano. É natural.

Também a mim sempre me meteu muita confusão ter que conduzir "amarrado" a um cinto. Primeiro, porque a prevenção e segurança que daí resulta é mais que duvidosa. E se ignoro até que ponto o cinto de segurança reduz o perigo em caso de acidente, uma coisa eu sei: numa situação de emergência, ter que gastar um segundo mais para desapertar o cinto, poderá ser fatal. Segundo, porque em se tratando de salvaguardar a minha própria vida ou integridade física, não reconheço ao Estado o direito de me obrigar a ter quaisquer outros cuidados para além daqueles que eu livremente decidir.

Mas que raio de interesse público ofenderei quando conduzo sem cinto de segurança? O que é curioso é que se um sujeito vai a guiar sem cinto (perigo abstracto) aplicam-lhe logo uma valente multa, mas se for apanhado a tentar suicidar-se (perigo concreto) já não lhe acontece nada. Não percebo. Será que me está a escapar algo?


(*) Pela sua crónica na Sábado, de 10.12.2004


18 dezembro 2004

O que diz a foto?

É abusiva a interpretação que Pacheco Pereira faz desta fotografia(*), na Sábado de hoje:

O poder parece só pesar a Álvaro Barreto, que é o único que está preocupado e parece não achar graça nenhuma ao que se está a passar (...) Os outros dois são jongleures, jogadores da ribalta mediático-política, hábeis, sobreviventes do cimo da onda, mestres na espuma em que nos estamos tornando (...). Querem lá saber do peso que Álvaro Barreto carrega aos ombros. O Primeiro-ministro está no gozo ao telefone, a mão tapa a conversa do seu vizinho do lado mas quase se adivinham as palavras (...). O Ministro da Defesa está satisfeito, com a mão no Velho Dinheiro, que tanto glorificou no Independente, e o olhar no mundo do Novo Dinheiro que tanto ajudou a estabelecer quanto dele pensa ser imune e superior. O seu sorriso diz-nos: o mundo é meu (...)

É abusiva porque, como se sabe, qualquer fotografia capta e destaca apenas um instante entre muitos outros instantes sobre os quais a fotografia nada diz e portanto, também nenhuma generalização permite. É abusiva porque, num regime democrático, em nenhum caso se espera que os governantes permaneçam em rígida pose ministerial, quiçá fingindo dar a maior atenção desde o início até ao fim dos respectivos trabalhos parlamentares. É abusiva porque a fotografia não mostra os factos ou pensamentos que, naquele momento, terão estado por detrás das diferentes posturas pessoais e que, eventualmente, as justificariam.

E no entanto... face ao mais recente desempenho político das três pessoas fotografadas e, em especial, pelo modo como nos vêm governando, a foto em causa emerge como verdadeira preciosidade iconológica cujo sentido mais profundo em muito ultrapassa o momento que fixou. É bem possível, por isso, que a interpretação (genial) de Pacheco Pereira não ande muito longe da verdade. É abusiva, porque lhe falta a robustez da prova inequívoca. Mas mais abusivo seria ficar à espera de uma prova impossível. Até porque os visados sabem muito bem que "quem não quer passar por lobo não lhe veste a pele".


(*) onde surgem Santana Lopes, Álvaro Barreto e Paulo Portas a assistir à discussão parlamentar do orçamento. (Excelente trabalho do fotógrafo António Pedro Ferreira, do Expresso)


10 dezembro 2004

Excertos de um livro não anunciado (212)

Revalorização da subjectividade. A retórica suscita e dá lugar à afirmação da subjectividade. Desde logo, porque se mostra especialmente apta para lidar com valores, para justificar preferências e, em última instância, para fundar as nossas decisões. Depois, porque a argumentação, que lhe confere operacionalidade, desenvolve-se em obediência a uma lógica do preferível, do razoável ou plausível, para além de ficar sempre vinculada a um critério de eficácia eminentemente pluralista: a adesão do respectivo auditório. Porém, mais do que reconhecer a expressão da subjectividade na dinâmica argumentativa, importa agora tentar compreendê-la através das condições em que surge e dos modos em que se manifesta.

Em primeiro lugar, deve notar-se que o espaço em que intervém esta subjectividade coincide com o campo de actuação da própria retórica, ou seja: entre o necessário e o arbitrário, entre a verdade evidente, objectiva e impessoal e a intuição, crença ou vontade individual. Confirma-o Perelman, quando diz que somente uma teoria da argumentação permitirá “reconhecer, entre o evidente e o irracional, a existência de uma via intermediária, que é o caminho difícil e mal traçado da razoável” (1). Ora entre o evidente e o irracional está a opinião, o saber comum. E o que a nova retórica faz é recuperar a validade consensual da opinião, como portadora de uma racionalidade prática que, não obstante se afirmar decisionalmente em múltiplas situações de vida - desde logo, na esfera do nosso quotidiano - tem permanecido sistematicamente fora dos quadros de produção do chamado conhecimento racional. Simplesmente, “não é eliminando todas as opiniões, a contribuição da tradicão e os ensinamentos da história que se explicará, a um só tempo, a constituição progressiva das ciências e a persistência dos desacordos em muitos domínios” (2).

(1) Perelman, C., (1997), Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, p. 217
(2) Ibidem




07 dezembro 2004

Ponto Media de Ouro

O António Granado, com o seu Ponto Media, acaba de ganhar o prémio de ouro de melhor blogue jornalístico em língua portuguesa, atribuído por um júri no âmbito do Deutsche Welle International Weblog Awards 2004.

Jornalista, professor e investigador de alto mérito, António Granado bem merece mais esta distinção, pelo que lhe deixo aqui o meu abraço de parabéns.

O resto está tudo (bem) dito aqui e ali.


05 dezembro 2004

Nunca esperei

Confesso que nunca esperei que Pacheco Pereira viesse a fazer uma pergunta destas:

Depois de ver um homem, que tinha acabado de ser constituído arguido, acusado de crimes de corrupção desportiva, a ser recebido com palmas por 25000 pessoas num estádio onde se dava uma competição desportiva, dá para acreditar nas conversas indignadas dos portugueses contra os corruptos?


Por três principais razões:

1) Porque, em termos gerais, como Pacheco Pereira bem sabe, o ser constituído arguido não significa ser condenado, logo, mantém-se a presunção de inocência.

2) Porque especialmente quando está em causa a dignidade pessoal de um cidadão, toda a crítica ou acusação pública deve ser ainda mais cautelar ou prudente, tendo em atenção que, a esse nível, um erro de julgamento sempre pode afectar irremediavelmente a imagem pública de qualquer pessoa.

3) Porque o facto 25.000 pessoas baterem palmas a um cidadão, ocasionalmente constituído arguido, não significa nem tem que significar, necessariamente, uma aprovação de todos os seus actos pessoais, clubistas ou profissionais.


Anonimato "Expressionista"

Pinto da Costa foi avisado da detenção - diz o Expresso de ontem, em título de 1.ª página.

Lida a notícia fico a interrogar-me:

O que é que o jornal diz no título? Diz, inequivocamente, que Pinto da Costa foi avisado da detenção. E o que é que o jornal diz na notícia? - Diz que "é pelo menos essa a convicção da PJ do Porto." (*)

Ou seja: o que o título dá com uma mão, a notícia retira com a outra...

Mas se o jornal sabe que é apenas convicção da PJ do Porto que Pinto da Costa tenha sido avisado da detenção e mesmo assim afirma em título que esse mesmo facto ocorreu, está a atentar contra a boa-fé dos seus leitores. Pelo menos contra a minha...



(*) Na mesma linha, diz ainda que "Fontes policiais admitiram ao Expresso que o presidente do FCPorto soube antecipadamente da operação". E é esta a superior qualidade jornalística que nos é oferecida por um jornal de referência: uma notícia sobre factos pessoais da maior gravidade, construída apenas com base em "Fontes policiais", "Fontes ligadas ao processo", "Fontes da PJ contactadas pelo EXPRESSO" ou "Segundo o Expresso apurou". Enfim, um verdadeira amostra de anonimato "Expressionista"...


04 dezembro 2004

Quem fala assim não é gago

Li algures num jornal deste fim de semana:

-uma tal Associação de Gagos, ainda em formação, irá reivindicar um desconto de 20% em todas as chamadas do tefone fixo.

Tem a sua lógica. Mas porquê só no telefone fixo? Será que o gago não gagueja ao telemóvel? Talvez não. Mas a ser verdade também já não será preciso o desconto. Ao ritmo a que vem aumentando o número de pessoas que falam ao telemóvel em Portugal, dentro em breve não teremos mais gagos. E depois? Para onde irá o desconto?



03 dezembro 2004

O senhor que se segue

Apenas 4 meses depois de ter entrado em funções, o governo caiu. Ou melhor, foi mandado cair. Já se sabe por quem, só não se sabe porquê. Por algum erro grosseiro e irreparável? Por uma insuportável série de pequenos incidentes? Como diz hoje Vicente Jorge da Silva, na sua coluna do DN, foi isso que ficamos sem perceber.

Não seria um bom governo, conceda-se. Mas isso, como se sabe, foi coisa que também nunca existiu. Desde quando se disse de um governo, ainda em funções, que era um bom governo? Nunca, que me recorde.

Por outro lado, o primeiro-ministro também não se revelou tão preparado para exercer as suas funções como seria de esperar num político com muita experiência no combate politico-partidário e já conhecedor dos meandros governamentais. Mas, nos tempos que correm, qual seria a alternativa? Quem terá verdadeiro estofo para primeiro-ministro? Não é deveras significativo que Pacheco Pereira - talvez o mais acérrimo crítico de Santana Lopes - tenha tido necessidade de recuar tanto no tempo e na história para descobrir em Cavaco Silva o seu candidato-ideal?

02 dezembro 2004

"Blogger" em destaque

Parabéns e felicidades para o João Morgado Fernandes por ter passado a integrar a nova Direcção do Diário de Notícias.

01 dezembro 2004

Retórica política

Política nacional. Muitos factos, muitas notícias, muitas análises, muitos comentários, muitas críticas. Tudo muito devagar (para uns). Tudo muito rápido (para outros). Enfim, muitos... muitos. Até o tempo é muito pouco. Mas quem sabe se um dia destes não venho aqui também dizer de minha justiça? A política, aliás, tal como a publicidade, é sempre um livro aberto de retórica. Ou de retóricas, para ser mais exacto.