29 janeiro 2004

Excertos de um livro não anunciado (169)

(...) Concluindo, o auditório universal pode não corresponder à fórmula mais feliz de satisfazer a exigência de sinceridade e lucidez que se impõe a todo o orador, enquanto “ser para o outro”, mas é, sem dúvida, uma afirmação do ideal ético que o deve nortear. O que não parece admissível é ver nele o (único) critério para se classificar um discurso como convincente ou “apenas” persuasivo, conforme a intenção do orador seja a de obter a adesão de todo o ser de razão ou só de alguns (1). Porque a intenção de convencer não é ainda o convencer, nem a convicção do orador se propaga automaticamente ao seu próprio discurso ou àqueles a quem este se dirige. De resto, quando situada no plano comunicacional, a convicção, como assinala Mellor, não se limita ao que pretendemos comunicar. “Há também a convicção que temos de qual seja essa nossa convicção, que é a que vai determinar que a digamos. E, finalmente, há, claro, a nossa convicção de que quem nos ouvir ficará convencido do que dizemos” (2) (...)

(1) Cf. Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 37

(2) Mellor, D., Falar verdade, in Mellor, D., (Org), (1995), Formas de Comunicação, Lisboa: Editora Teorema, p. 97

23 janeiro 2004

Deveres & Prazos, Lda.

Só mais uns diazinhos e voltarei a respirar, também aqui...

Excertos de um livro não anunciado (168)

(...) A ideia de auditório universal que surge em Perelman algo nebulosamente identificada com a razão, parece assim desprovida de qualquer valor operatório enquanto critério ou método de aproximação à verdade. Surpreende, aliás, que depois de recusar o auditório íntimo como encarnação plena do auditório universal, sob o argumento de que não se pode confiar na sinceridade do sujeito que delibera para consigo mesmo, dado que “a psicologia das profundezas ensinou-nos a desconfiar até do que parece indubitável à nossa própria consciência” (1), Perelman tenha acabado por tão confiadamente fazer depender a racionalidade argumentativa “...de uma universalidade e de uma unanimidade que o orador imagina...” (2) (...)

(1) Perelman, C., (1999), Tratado da Argumentação, S. Paulo: Martins Fontes, p. 46
(2) Ibidem, p. 35

20 janeiro 2004

Excertos de um livro não anunciado (167)

(...) Mas Meyer (a quem voltaremos na III Parte deste estudo) veio mostrar como “a retórica não fala de uma tese, de uma resposta-premissa que não corresponde a nada, mas da problematicidade que afecta a condição humana, tanto nas suas paixões como na sua razão e no seu discurso” (1). E, na medida em que, segundo este mesmo autor, “a relação retórica consagra sempre uma distância social, psicológica, intelectual, que é contingente e de circunstância, que é estrutural porque, entre outras coisas, se manifesta por argumentos ou por sedução” (2), já não se vê razões para que a negociação dessa distância (em que se traduz toda a situação retórica) deva fazer-se sob a imperatividade de qualquer generalização prévia exterior ao próprio confronto de opiniões e, muito menos, quando tal generalização tenha lugar apenas na cabeça do orador (como preconiza Perelman), por muito qualificado e honesto que ele seja. (...)


(1) Meyer, M., (1998), Questões de Retórica: Linguagem, Razão e Sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., p. 31
(2) Ibidem, p. 26

16 janeiro 2004

Ad Hominem na Blogosfera

Há dias o filósofo Porfírio, do Turing Machine, instou-me a dizer algo sobre um dos meus temas favoritos:

Na "web clássica" não há em geral um interlocutor individualizado, mesmo que haja um "público-alvo". Na blogosfera, há "público genérico" da internet; há por vezes um interlocutor individual que se conhece; outras vezes temos um interlocutor individual que não conhecemos. Isto põe questões. Por exemplo: qual o estatuto dos argumentos ad hominem na blogosfera? Serão afectados pela especificidade do meio? Será que o humano ao leme do Retórica e Persuasão poderá dizer alguma coisa que nos ilumine sobre isto?

(Porfírio Silva in Turing Machine - 09.01.2004)

Registo e agradeço o convite a que, contudo só mais tarde poderei responder, devido aos excessivos "deveres" do momento. Desculpas.

Excertos de um livro não anunciado (166)

(...) Será que, no entender de Perelman, a função normativa do auditório universal exerce-se quanto aos fins mas já não quanto aos meios da argumentação? Não estaríamos aqui perante um sério atropelo às preocupações ético-filosóficas na base das quais Perelman formula a própria intenção de universalidade que deve animar o orador? É provável que estas contradições ou ambiguidades em que a sua noção de auditório universal parece mergulhar e até mesmo o pendor universalista que a caracteriza, fiquem a dever-se, em grande parte, ao proposionalismo e correspondente acento lógico-intelectual da própria concepção perelmaniana de retórica (ou argumentação). Recordemos que esta remete-nos para o “estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se lhes apresentam ao assentimento” * (...)

* Perelman, C. e Olbrechts-Tyteca , L., (1999), Tratado da Argumentação, S. Paulo: Martins Fontes, p. 4

13 janeiro 2004

O Congresso das Ciências da Comunicação na Covilhã

As "Ciências da Comunicação" reuniram ontem, no ISCTE, em Lisboa, para preparar o III Congresso da SOPCOM - Associação Portuguesa das Ciências da Comunicação, que terá lugar de 21 a 24 de Abril próximo, na Covilhã, com a participação de destacados investigadores portugueses, espanhóis e brasileiros.

Presentes nesta reunião, entre outros, Paquete de Oliveira, António Fidalgo, Bragança de Miranda, Moisés Lemos Martins, José Augusto Mourão, Pedro Jorge Braumann, Aníbal Alves, Manuel Pinto (do blogue "Jornalismo e Comunicação") e Viegas Soares.

Recorde-se que até 31 de Janeiro estarão ainda abertas as candidaturas (*) para apresentação de comunicações a este congresso e que a comunicação da aceitação ou não da candidatura será feita até 15 de Fevereiro de 2004.

(*) Para efectuar a candidatura é necessário apenas o envio do respectivo "abstract".

As comunicações poderão incidir sobre as seguintes áreas temáticas:

- TEORIAS DA COMUNICAÇÃO
- SEMIÓTICA E TEXTO
- ECONOMIA E POLÍTICAS DA COMUNICAÇÃO
- RETÓRICA DA ARGUMENTAÇÃO
- FOTOGRAFIA, VÍDEO E CINEMA
- NOVAS TECNOLOGIAS, NOVAS LINGUAGENS
- DIREITO E ÉTICA DA COMUNICAÇÃO
- HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO
- ESTÉTICA, ARTE E DESIGN
- PUBLICIDADE E RELAÇÕES PÚBLICAS
- JORNALISMO
- ESTUDOS CULTURAIS E DE GÉNERO
- COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO
- COMUNICAÇÃO AUDIOVISUAL
- OPINIÃO PÚBLICA E AUDIÊNCIAS
- COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO

Nota - Se algum colega da blogosfera estiver interessado em apresentar uma comunicação a este congresso e quiser mais informações, bastará mandar-me um email.

11 janeiro 2004

Excertos de um livro não anunciado (165)

(...) É certo que “toda a argumentação que visa somente um auditório particular oferece um inconveniente, o de que o orador, precisamente na medida em que se adapta ao modo de ver dos seus ouvintes, arrisca-se a apoiar-se em teses que são estranhas, ou mesmo francamente opostas, ao que admitem outras pessoas que não aquelas a que, naquele momento, ele se dirige” (1). Mas não é o próprio Perelman quem, sem qualquer reserva, afirma que “é , de facto, ao auditório que cabe o papel principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores”? (2) E como conciliar a imposição racional do auditório universal (3) com a tolerância de situações em que a adesão do auditório se fica a dever à utilização de premissas cuja validade não é reconhecida pelo orador? Ainda que pareça algo estranho e incoerente, é o que Perelman faz quando refere, a certa altura, na sua obra Retóricas: “É possível, de facto, que o orador procure obter a adesão com base em premissas cuja validade ele próprio não admite. Isto não implica hipocrisia, pois o orador pode ter sido convencido por argumentos diferentes daqueles que poderão convencer as pessoas a quem se dirige” (4). (...)

_______________

(1) Perelman, C. e Olbrechts-Tyteca, L., (1999), Tratado da Argumentação, S. Paulo: Martins Fontes, p. 34

(2) Ibidem, p. 27

(3) Ou do modo como o orador o imagina

(4) Perelman, C., (1997), Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, p. 71

Destaque (4)

Para o clarividente alerta de Guilherme Valente, ontem, no "Mil Folhas-Público":

(...) Julgo que grande parte da melhor literatura portuguesa estará hoje nas páginas de ensaios e textos não catalogados como literários, designadamente, mas não só, em obras de cultura científica.

Não se trata, como C. P. Snow diagnosticou na Inglaterra dos anos 50, de uma falta de diálogo entre os cientistas e os intelectuais literários, mas da quase inexistência de uma cultura crítica, assente no conhecimento, indutora da irreverência face ao saber sabido, do inconformismo, da confiança.

O binómio de Newton é, de facto, tão belo como a Vénus de Milo. Como poderemos aprender a descobrir isso? Como poderemos chegar a essa cultura nova, condição para a respiração, modernização e progresso do país? A resposta aponta para muitas sedes. A comunicação social é, seguramente, uma dessas sedes (com astrólogas a zumbirem em todos os canais de televisão poderemos surpreender-nos que 30 por cento dos portugueses atribuam ao destino a causa dos acidentes de viação?). Mas a sede nuclear, estruturante, é a escola. Não é na escola que se aprende a ler e a gostar de ler, a escrever, a contar e a pensar? Aprende?



* Foi o Cidadão Livre que me chamou a atenção para esta crónica de Guilherme Valente.

09 janeiro 2004

Vital debate

O que Vital Moreira sabiamente escreveu no final do seu post de resposta ao Porfírio Silva ilustra com distinção o que pode e deve ser um debate à luz da retórica critica contemporânea:

"Eis o fundamento das minhas posições nesta matéria. Mas não conto evidentemente convencer o meu opositor. Nestes temas as precompreensões de cada um não são facilmente contornáveis. O mais que podemos é racionalizar os argumentos e explicitar os valores por detrás deles."

Com efeito, todo o debate retórico implica:

1. Ter que fundamentar ou justificar as suas posições
2. Não querer à viva força convencer (e muito menos vencer) o seu opositor
3. Reconhecer e admitir as respectivas diferenças de precompreensão e/ou experiência pessoal


Recordemos que:

A retórica visa o consenso dos intervenientes e não o triunfo de qualquer deles.

A falta de consenso, por si só, não torna a retórica inoperante. Pode até ser maior o ganho compreensivo sobre uma questão que não obteve consenso do que sobre outra que foi imediatamente aprovada.

Ah!...

Eu tenho a certeza que não mereci esta lembrança tão elogiosa do Pedro Caeiro (PC) no Mar Salgado:

(...) Aqui no Mar Salgado, a tripulação não se dedicou a distribuir prebendas que ninguém pediu, e eu não serei o primeiro. Mas segue, para alguns, "aquele abraço" à moda do Gilberto Gil, sem razão, como quem diz: entre o que passou e o que vem, tu acompanhas-me.

Ao Américo de Sousa, que converte alegria e elegância em arte retórica.
Aos indiscretos, onde aprendo e relembro o que verdadeiramente interessa.
Ao Miguel Nogueira, a quem invejo a concepção do blogue (e que conseguiu suspender o meu ódio aos plumíferos).
Ao Francisco Amaral - ele sabe porquê. posted by PC on 12:33 AM #



Mas naturalmente que fico muito contente por alguma das coisas que aqui vou escrevendo fazerem sentido também para alguém mais. Tenho a ideia de que, nisto dos blogues, melhor do que ter muitos e muitos leitores é... ter bons leitores, leitores qualificados. E o Pedro Caeiro, além de escrever magnificamente, é também um leitor muito qualificado deste modesto blogue. Já o percebera amigo, tolerante e generoso. Mas nem isso abafou a minha surpresa. Obrigado, Pedro.

06 janeiro 2004

Excertos de um livro não anunciado (164)

(...) Pensamos que nesta sua concepção de auditório universal Perelman não resistiu ao “assédio” da razão objectiva (ainda que numa versão fortemente mitigada) que tanto critica em Descartes. Basta atentar nesta breve passagem do seu Tratado da argumentação: “É por se afirmar o que é conforme a um facto objectivo, o que constitui uma asserção verdadeira e mesmo necessária, que se conta com a adesão daqueles que se submetem aos dados da experiência ou às luzes da razão” (1). Facto objectivo? Que valor de universalidade pode ser atribuído a este conceito ao mesmo tempo que se reconhece que “não contamos com nenhum critério que nos possibilite, em qualquer circunstância e independentemente da atitude dos ouvintes, afirmar que alguma coisa é um facto”? (2) Luzes da razão? Mas quem apela à razão, como diz Thomas Nagel, “...propõe-se descobrir uma fonte de autoridade em si mesmo que não é meramente pessoal ou social, mas antes universal - e que deverá também persuadir outras pessoas que estejam na disposição de a ouvir” (3). Ora este modo de descrever a razão, como o reconhece o próprio Nagel, é de nítida inspiração cartesiana ou platónica (4). O mínimo que se pode dizer, portanto, é que Perelman não explicitou com suficiente clareza esta sua noção de auditório universal, quer enquanto instância normativa da argumentação, quer como critério do discurso convincente. Tal como a apresenta, quer no "Tratado da Argumentação", quer no "Império Retórico" ou na "Retóricas", fica-nos, aliás, a impressão de que, movido pela louvável preocupação de conferir à retórica um cunho marcadamente filosófico, dela terá exigido mais do que a mesma poderia dar. (...)


(1) Perelman, C. e Olbrechts-Tyteca, L., (1999), Tratado da Argumentação, S. Paulo: Martins Fontes, p. 35
(2) Ibidem, p. 76
(3) Nagel, T., (1999), A Última Palavra, Lisboa: Gradiva-Publicações, Lda, p. 12
(4) Ibidem

04 janeiro 2004

Excertos de um livro não anunciado (163)

Pode então deduzir-se que, de algum modo, o orador fica cometido de uma importante função prospectiva: a de avaliar antecipadamente o que os destinatários da sua argumentação devem (ou deveriam) pensar e concluir quanto às razões que ele próprio lhes irá apresentar. Mas ocorre perguntar se, nestas condições, estaremos ainda face a uma situação retórica. Até que ponto esta “convicção prévia” do orador sobre o carácter racional (logo, inatacável...) dos seus argumentos não irá dificultar ou até mesmo violar a livre discutibilidade a que aquela não pode nunca eximir-se? E de que poder ou faculdade tão especial dispõe quem argumenta para definir, à partida, o que os seus auditores deveriam entender como racionalmente válido?

02 janeiro 2004

Como fazer amor por 50 euros

Noticia na "Visão" de 31.12.2003:

A Casa de Oração Santa Rafaela Maria, da Congregação das Escravas do Sagrado Coração de Jesus (ACI/Ancilla Cordis Iesu) em Palmela, acolheu, entre 19 e 21 de Dezembro, um "curso prático para namorados". Sob a orientação da irmã Maria Vaz Pinto, o tema "afectividade/sexualidade" tornou-se acessível a todos os pares de namorados que, mediante o pagamento de 50 euros (44 euros para estudantes), desejassem complementar a sua bagagem teórica sobre o namoro, com uma vertente mais..."prática".

Não...não está caro. Mas tratando-se de um curso prático, tudo depende da experiência da professora, não acham?