28 julho 2008

Agora não há metáfora que lhe valha

Sobre a não aprovação pelo PS do seu sistema de combate à corrupção:

"assumo essa derrota como um soldado no campo da batalha que combateu mas foi derrotado pelo inimigo"

João Cravinho
Público, 27 Jul 2008

Não. Nada disso. A metáfora não encaixa. O "soldado" Cravinho não foi derrotado pelo inimigo mas sim pelos próprios companheiros de partido que lhe "cortaram as pernas" no programa de combate à corrupção. E a situação é de tal maneira embaraçosa e invulgar que nenhuma metáfora parece aproximar-nos do que realmente se passou. Nem a do "fogo amigo", pois que, no caso de Cravinho, não foi o tiro que foi disparado. Foi ele próprio que disparou para Londres. Agora não há metáfora que lhe valha.

25 julho 2008

O perigo nuclear e os outros perigos

A propósito da energia nuclear, noto que as diferentes reacções que a proposta do Governador do Banco de Portugal espoletou parecem centrar-se todas na iniciativa empresarial ou na política económica do Governo, o que, como é natural, afunila a discussão para a mera análise de custo/benefício. A ideia que pode ficar é a de que é aí que se centram as grandes dúvidas ou a fonte de todas as indecisões e adiamentos do nuclear em Portugal. Mas não creio.

Acredito mais que seja o factor perigo, que sempre surge associado à instalação dos respectivos reactores nucleares, alguns dos quais nos deixaram trágica memória. Parece-me mesmo estranho que ninguém assuma este factor perigo e o correspondente receio que o nuclear ainda gera nas populações. Se ter próximo de casa uma lixeira ou um simples aterro sanitário já incomoda muita gente (como se tem visto), ficar com uma central nuclear por perto será de pôr os cabelos em pé.

Simplesmente este é um problema com que temos que aprender a conviver, estudando, caso a caso, as soluções mais justas para todos. O debate sobre o nuclear é que não pode continuar sistematicamente adiado. E talvez ajudasse meter na cabeça que outros perigos se acrescentam agora, porventura, ainda mais devastadores e menos controlados, do que o risco do nuclear. É, pelo menos, o que já há quatro anos escrevi no livro que aqui venho pós-publicando:
"Contrariamente ao que acontecia no séc. XX com as armas nucleares, biológicas e químicas mais as tecnologias que as sustentavam e que implicavam actividades de grande porte, matérias primas raras e informações protegidas, as tecnologias do séc. XXI estão perfeitamente ao alcance dos indivíduos ou de pequenos grupos, não carecem de grandes instalações nem de matérias primas raras, pelo que é possível utilizá-las recorrendo apenas ao conhecimento. Logo, são ainda mais perigosas."
in Américo de Sousa (2004), O homem com medo de si próprio, Porto: Estratégias Criativas, p. 92

23 julho 2008

O homem.com medo de si próprio (4)

Será também essa a via que irei seguir aqui, onde toda a referência à técnica deve ser entendida como apontando para “a disposição cientificamente racionalizada sobre processos objectivados (...) [onde] a investigação e a técnica se encontram com a economia e a administração e são por elas retro-alimentadas” [4]. É sobre esta técnica que urge reflectir, para conhecer o seu grau de perigosidade ou de infracção ética e, se preciso for, fixar-lhe imperativos limites. O que abre, desde logo, para a primeira das interrogações: de que modo está o pensamento técnico a transformar o ser humano?

O irresistível domínio da técnica


Que a técnica é tão antiga como a humanidade já ninguém duvida, pois é justamente pelos vestígios da utilização de instrumentos de trabalho que se pode concluir se certos achados arqueológicos se relacionam ou não com o homem. Não obstante, a sua essência permanece algo misteriosa ou pelo menos, nunca completamente desvelada e estabelecida. Uma boa introdução ao problema pode perfeitamente passar pela distinção que Francis Ponge faz entre aparelho e utensílio: “O aparelho é um instrumento que serve para as artes mecânicas. O utensílio é toda a espécie de pequeno móvel que serve para a casa, e principalmente, para a cozinha”
[5]. A diferença fundamental será que, como bem assinala Bragança de Miranda, “o primeiro dispensa o humano e o segundo relaciona-se com este através de ‘uma perfeita conveniência com o carácter do objecto’. Daí que se possa segurar na mão, sem pesar de mais. Os outros dispensam a mão e o gesto, se não o substituem radicalmente. (...) Deveríamos dizer que há cada vez mais máquinas e menos utensílios? É preciso ir mais longe, e verificar que mesmo as máquinas estão a desaparecer à medida que os automatismos de repetição se vão instalando um pouco por todo o lado” [6]. Ou seja, enquanto os utensílios (e o seu uso) se mantêm sempre na mais estrita dependência da vontade humana, o mesmo já não sucederá com os aparelhos ou máquinas e posteriores mecanismos de repetição automática que gradualmente se autonomizam e assim põem em cheque o domínio que o homem sobre eles gostaria de continuar a exercer ou, o que é pior, pode estar erroneamente convencido de que ainda exerce.

Uma outra maneira, aliás deveras ilustrativa, de figurar a questão da essência, leva-nos à parábola do aprendiz de feiticeiro por Bragança de Miranda assim invocada:

“um feiticeiro tinha um aprendiz, que casualmente ouviu o mestre usar as palavras mágicas para pôr as coisas a funcionar, tendo-as decorado. Um dia, o mestre teve de sair e deu-lhe ordem para cortar a madeira, varrer a casa, tirar água do poço com um balde, afirmando querer o trabalho pronto quando viesse. O aprendiz, que tinha aprendido a frase mágica para pôr as coisas a funcionar, disse a palavra certa e a vassoura toca de varrer, o machado de partir a lenha e o balde de ir buscar água ao poço. Ora, sucede que, depois de partida a madeira, o machado continua a partir tudo, a vassoura começa a destruir tudo e o balde continua a trazer água sem parar para dentro de casa. Em suma, a própria casa que abrigava mestre e aprendiz começa a ser destruída. O pobre do aprendiz fica numa aflição imensa, sem saber o que fazer, pois não conhecia a palavra mágica para tudo fazer parar. No cúmulo do seu desespero, eis que surge o mestre que diz a palavra necessária, retornando tudo à ordem”
[7].

Ora o que Bragança de Miranda põe em causa é precisamente este final feliz da parábola que não estará assegurado (ainda?) na técnica contemporânea, nomeadamente, porque, relativamente a esta última, não dispomos de um “mestre” análogo ao dessa parábola que nos dê a mesma garantia de controlo do respectivo processo técnico. A parábola corresponde por isso a uma visão da técnica como “algo que foi produzido pelo homem e que se afastou dele, mais ainda, que se voltou contra ele”
[8] mas que pressupõe a sua possibilidade racional de, em última instância, corrigir a direcção do desenvolvimento técnico, recolocando-o ao serviço dos seus interesses ou meros caprichos. E é justamente aqui que a parábola nos abandona (ou melhor, que deve ser abandonada) por nos remeter para uma desordem apenas transitória e seguida do tal final feliz que de modo algum está assegurado na realidade. Pelo contrário, é a crença no controlo humano da técnica que se vai desvanecendo, ou que, pelo menos, sai muito ameaçada, não apenas pela desrazão com que a técnica tem sido usada nas mais bárbaras agressões do homem contra o homem e contra o planeta, como também pelo seu cada vez maior e mais sofisticado grau de autónoma manifestação. [cont.]
__________
[4] Habermas, J., (1997), TÉCNICA E CIÊNCIA COMO “IDEOLOGIA”, Lisboa: Edições 70, p. 101
[5] cit. in Miranda, J. B., (1999), “Fim da Mediação” in Miranda, J. B. (org), (1999), REAL VS. VIRTUAL, Lisboa: Edição Cosmos, p. 293
[6] Miranda, J. B. (1999), “Fim da Mediação”, op. cit, idem
[7] Miranda, J.B., (2002), TEORIA DA CULTURA, Lisboa: Edições Século XXI, pp. 37-38
[8] idem

in Américo de Sousa (2004), O homem com medo de si próprio, Porto: Estratégias Criativas, pp. 15-16

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20 julho 2008

Ai se eu fosse rico

O primeiro caderno do Expresso desta semana, traz o registo fotográfico dos 4 mais ricos de Portugal. Que bela ocasião para resolver dúvida tão antiga: que prazer dará ser rico? Fixo-me então no olhar de cada um à procura do desconhecido estado de alma. Mas não tarda a desilusão: nenhum deles parece mais feliz do que eu. Ai se eu fosse rico.

17 julho 2008

A língua que ela tem

O que escreve Margarida neste seu mais recente livro:

“passei a vida inteira aos encontrões com gajos giros que são parvos, com gajos sérios que são enfadonhos, com indecisos confusos, com mentirosos e predadores, experimentei tudo e mais alguma coisa, aprendi a distinguir à légua um tipo porreiro de um filho da puta, aturei drogados, jogadores compulsivos, palermas com um feitio de merda e com pilas pequenas, ensinei os gajos a foder e a fazer minetes como deve ser (…)
(Ípsilon, 11 Jul 2008)

A explicação

Numa entrevista a Carlos Vaz Marques, Margarida explica:

"as pessoas devem falar daquilo que conhecem. Daquilo que transpiram. Daquilo que sabem. Daquilo que viveram. Isso é que dá autenticidade à escrita. Isso é que provoca identificação com o leitor. É a vida como ela é." (Ípsilon, 11 Jul 2008)

A Crítica
Para Maria da Conceição Caleiro (Ípsilon, 11 Jul 2008),

em "Português Suave" os altos não são particularmente altos, nem os baixos chegam ao fundo. Tudo rola à superficie, uma espécie de pântano prolongado por 251 páginas, monocórdico. (…). A narrativa constrói-se na primeira pessoa, a várias vozes, diferentes gerações de uma mesma família, sobretudo femininas. Mas o "ethos" que se sente não se altera substancialmente. Ninguém se distingue a sério de ninguém. É o grau zero do erotismo, embora não fale de outra coisa senão de cama (…).Apetece dizer: "não, Margarida, ainda não é bem literatura".

A reacção do público
Português Suave”, de Margarida Rebelo Pinto, em 1.º lugar no TOP dos 10 + vendidos, no Corte Inglês.

Conclusão
Está visto que Margarida escreve “aquilo” que milhares e milhares de pessoas estão dispostas a comprar. Logo, tem mercado, algo de que a maioria dos escritores não se pode gabar. Na circunstância, “aquilo” é um livro. Mas podia muito bem ser outra coisa qualquer. Um livro sem literatura, diz a Crítica. E fica (quase) tudo dito. Margarida não interpela o leitor, vai ao seu encontro, fala-lhe daquilo que conhece, do que sabe ou do que viveu. Acredita que isso dá autenticidade à escrita e é bem provável que dê. Sucede que no caso de Margarida Rebelo Pinto, o problema não é o mercado nem a vida (antes pelo contrário). O problema é a escrita, já para não dizer, a língua. E esse é um problema que nenhum sucesso de vendas pode resolver.

13 julho 2008

A crise do debate no debate da crise


Na passada semana, o presidente do BPI, Fernando Ulrich, foi ao programa "Diga Lá Excelência" (RR) defender mais impostos para os que mais ganham, como resposta à actual conjuntura. Na altura, como se sabe, recomendou ao Governo a aplicação das seguintes medidas: 1) o agravamento do IRS, com um novo escalão para os rendimentos mais altos; 2) uma nova taxa no IRC para lucros acima de 100 milhões de euros; 3) o fim da isenção das mais-valias; 4) o aumento da tributação sobre depósitos bancários e obrigações.
***
Três dias depois (09 Julho), a jornalista Teresa de Sousa, no Clube de Imprensa (RTP2) moderava um debate subordinado ao tema "“Estamos preparados para a crise?” com a participação de três reputados especialistas da coisa económica:
* António Nogueira Leite – Professor Universitário
* João Rendeiro – Presidente do Banco Privado Português
* José da Silva Lopes – Ex- Presidente do Montepio

A certa altura, Teresa de Sousa resolve confrontar os convidados com aquelas medidas propostas pelo presidente do BPI, a quem informalmente trata por "banqueiro Fernando Ulrich". Ó palavra que disseste. De imediato foi interrompida e corrigida por António Nogueira Leite que fez questão de deixar muito claro que Ulrich não é nada banqueiro, é bancário, trabalha para os patrões dele. "Assim como eu não sou empresário, sou gestor", acrescentou. E lá ficou a verdade reposta (presumo). Mas a dúvida também: era preciso? Lembro que o debate era sobre a crise. Crise? Qual crise? São momentos como este que ajudam a esquecê-la.

12 julho 2008

O homem.com medo de si próprio (3)

Foi preciso esperar pela ciência grega (episteme), cujo saber teórico-abstracto e especulativo se distanciava da utilidade prática e imediata da técnica, para se poder falar, aí sim, de uma notória diferença entre técnica e ciência. A primeira, normalmente apoiada numa tradição de saber muito virado para a acção, para a utilidade; a segunda, feita de pensar filosófico, logo, mais orientada para a verdade ou para a contemplativa compreensão do real. Nesse tempo, eram estes os principais traços distintivos entre técnica e ciência. E assim se mantiveram praticamente até ao Renascimento.

Com os modernos, a ciência passou a ser encarada, basicamente, como instrumento de transformação da natureza, perdendo o carácter abstracto e especulativo da ciência grega. Esta, que sempre se mantivera afastada dos aspectos empíricos e práticos ligados à esfera da produção económica, foi progressivamente substituída pela ciência moderna. O processo consistiu, por assim dizer, na fusão das duas tradições pré-existentes: “a tradição artesanal e a tradição intelectual. Isto é, a tradição dos que fazem (artesãos, engenheiros), adquirindo por isso um certo conhecimento empírico, e a tradição dos que pensam (intelectuais, religiosos), produzindo especulação pura sobre a natureza das coisas, cosmologias quase sempre justificativas da ordem natural e social, e preservando os textos do saber escolástico”
[2] . O resultado foi uma cada vez mais virtuosa combinação entre ciência e técnica, que veio a transformar todo o tecido económico e as próprias estruturas sociais de relação e poder. A partir daí, técnica e ciência não mais se separaram, pelo menos com a mesma nitidez do passado. O desenvolvimento do conhecimento científico passa a depender dos avanços técnicos que, entre outras coisas, tornam possíveis as experimentações repetidas, enquanto que os instrumentos e as respectivas operações técnicas, anteriormente confinados à intuição, ao costume e à tradição de saberes locais, passam igualmente a beneficiar dos conhecimentos que são sistematicamente adquiridos pela via científica, e portanto, de validade universal.

É neste regime de unidade ou interdependência entre a técnica e a ciência que se pode situar o aparecimento do próprio termo tecnologia para designar uma “teoria geral e/ou estudo sistemático sobre técnicas, processos, métodos, meios e instrumentos de um ou mais ofícios ou domínios da actividade humana (por ex., indústria, ciência, etc.)”
[3] - no que se aproxima do conceito de ciência. Curiosamente, porém, tecnologia pode significar, igualmente, tanto o conjunto de técnicas de um domínio particular, como qualquer técnica moderna e complexa, ou uma técnica avançada de última geração – com isto se confundindo, afinal, com a própria técnica, na sua acepção mais tradicional.Confirma-se, portanto, que não há hoje em dia uma delimitação muito precisa entre técnica, ciência e tecnologia, quer do ponto de vista semântico, quer ao nível das respectivas práticas técnico-científicas. E, se tal acontece, é seguramente porque têm muito em comum. Desde logo, quanto à sua finalidade, já que qualquer delas se orienta para um resultado útil, aqui entendido naquele sentido muito amplo que vai da melhoria das condições de vida humana às novas invenções ou descobertas, passando pelo aumento do poder de controlo e domínio sobre a natureza e, mais recentemente, sobre a própria evolução da espécie. Depois, porque nenhum desses três domínios - técnico, científico e tecnológico - se afirma, hoje, isoladamente, sem recorrer aos demais. É assim com a ciência, que precisa de instrumentos, aparelhos e procedimentos técnicos para se operacionalizar. É assim com a tecnologia, que se apoia na teoria e no estudo sistemático das respectivas técnicas para potenciar novas descobertas. É assim com a própria técnica que, longe da arcaica habilidade ou destreza manual em que originariamente se fundava, é agora, ela própria, um sofisticado produto da actividade científica com a qual, de resto, interage. Não surpreende então que, no âmbito de uma filosofia crítica da cultura, quando se fale simplesmente de técnica ou de escalada da técnica se queira, com isso, prefigurar os prodigiosos avanços técnico-científicos do nosso tempo. [cont.]
__________
[2] Deus, J. D., (2003), DA CRÍTICA DA CIÊNCIA À NEGAÇÃO DA CIÊNCIA, Lisboa: Gradiva, p. 23

[3] DICIONÁRIO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA, Lisboa: Círculo de Leitores, 2002, p. 3474

in Américo de Sousa (2004), O homem com medo de si próprio, Porto: Estratégias Criativas, pp. 13-15

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10 julho 2008

O Restaurante que me leva ao rodízio

Já corri e saltei à procura de um rodízio igual ou melhor do que o do "Restaurante Lima Cinco", ali ao cimo da R. da Alegria, no cruzamento com a R. da Constituição (Porto), mas nada feito. Começo até a pensar que não existe. Dá-se o caso de que nem sou (ou melhor, não era) particular apreciador de rodízio. Mas no "Lima Cinco", é tiro e queda, a ponto de nunca ter posto sequer a hipótese de escolher outro prato. Rodízios há muitos, dirão. Pois é. Mas o que sei é que de cada vez que experimento por outras paragens esta mesma especialidade brasileira, nenhuma semelhança encontro com a variedade de carnes, de condimentos e sabores que os dois especialistas do "Lima Cinco" - Ari Tavares, do Rio de Janeiro e Marco Vinício, de S. Paulo - preparam e levam à mesa com toda a arte, atenção e simpatia. Concluo, portanto, que não é o rodízio que me leva ao "Lima Cinco" mas sim o "Lima Cinco" que me leva ao rodízio. E parece-me que concluo bem. Deve ser a isto que se chama Restaurante (com Maiúscula).

07 julho 2008

Conselho pouco aconselhável

A propósito da trapalhada jurídica a que parece ter conduzido a última reunião do CJ da FPF, li apenas este relato e confirmei, em seguida, o que diz o Regimento do Conselho de Justiça da FPF, na sua PARTE I, Título I, Artigo 1.º, n.º 3: "Todos os membros do Conselho têm que ser licenciados em Direito".

Depois a imaginação foi mais forte: como seria um CJ onde nenhum dos seus membros fosse licenciado e muito menos em Direito? Duvido que fosse pior. E tão divertido.

06 julho 2008

E por falar em pragmática

"O poder dos políticos é o poder da palavra. A dicotomia palavra "versus" acção não existe, é pura falácia. A palavra é a acção. Um político fala e isso torna-se acção. Se um político quer fazer uma auto-estrada, não tem que pegar num bulldozer e ir desbravar terreno. Tem de decidir: "Faz-se." E, abaixo dele, a administração tratará de transformar a palavra em acção. O silêncio é a inacção, a paralisia."

João Pedro Henriques (JPH)-Gloria Facil...

Estou de acordo com esta ideia de que sem o poder da palavra um político não poderia agir pois o seu fazer é sempre um "decidir" ou um "fazer-dizer", e nunca um "fazer-executar" para o qual, só por mera coincidência estaria tecnicamente preparado. Ainda assim atrevo-me a algumas breves notas:

1) O poder dos políticos é mais *um* poder da palavra do que *o* poder da palavra. E será mais *um* poder da palavra no sentido de que o poder dos políticos não se limita ao poder da palavra, nem o poder da palavra se esgota no poder dos políticos. A palavra tem, como sabemos, uma pluralidade de poderes que não vêm agora ao caso mas que também não se pode ignorar.

2) A palavra é sempre acção. Mas tanto pode ser uma acção meramente locutória, como uma promessa, como uma decisão política concreta de aplicação imediata. Daí que na boca de um político as palavras sejam sempre acções mas nem sempre correspondam a trabalho ou obra efectivamente realizada. E, se como diz o povo, às "palavras leva-as o vento", acções que não passem de meras palavras, por certo, que terão o mesmo destino.

3) O problema não está portanto quando "o político fala e isso torna-se acção" mas sim quando (como tantas vezes sucede) fala e não acontece nada.

O olhar da pragmática

in Jornal de Notícias, 08 Julho 2008, p. 9

Esta foto nada diz mas tudo faz presumir. Faz presumir, por exemplo, que estes dois importantes rostos da Justiça em Portugal estarão a conversar e, já agora, que a conversa andará à volta da Justiça em Portugal. É pouco? É sim senhor. O resto temos que ir buscá-lo à pragmática. Repare-se então na subtileza circunstancial: ela - de óculos escuros; ele - a olhar para o lado. Mais não se pode dizer. E seria preciso?

04 julho 2008

O homem.com medo de si próprio (2)



O HOMEM E A TÉCNICA

Técnica, Ciência e Tecnologia

Quando se pretende analisar a repercussão ética da actual era tecnológica é quase impossível fugir a uma panóplia de termos ou conceitos que mantêm grande afinidade entre si: técnica, ciência, tecnologia, ciência aplicada, tecnociência, progresso técnico-científico, engenharia genética, robótica, nanotecnologia [1] e muitos outros. Isto acontece, sobretudo, porque cada um destes termos corresponde a uma certa perspectiva de intervenção humana sobre a natureza. Mas para o que aqui mais importa não é preciso apurar o significado último de todas ou de cada uma dessas expressões. Bastará conceder primazia analítica aos três primeiros conceitos acima indicados - Técnica, Ciência e Tecnologia - que, automaticamente, remetem para as principais instâncias do mundo técnico-científico, mesmo do mais especializado, sobre cujos limites éticos importa reflectir.


Refiro-me a instâncias do mundo técnico-científico, pela simples razão de que não existem hoje fronteiras muito nítidas entre técnica, ciência e tecnologia. Tão intimamente conexionados nos surgem estes três domínios do conhecimento que, por vezes, torna-se difícil perceber o que seria imputável a cada um deles. Aliás, em alguns casos nem sequer nos interrogaremos se estamos perante uma ciência, uma técnica ou uma tecnologia, como sucede, regra geral, com a medicina, com a economia, com a gestão ou até com a própria informática. Isto,
claro, na actualidade. Mas a técnica, tradicionalmente associada a um saber prático aplicável à vida concreta de todos os dias, ou se quisermos, a um “saber-fazer”, detém, como se sabe, considerável anterioridade histórica sobre a reflexividade teorética da ciência, pelo que, de início, nem se colocaria o problema da sua diferença ou distinção. [cont.]
__________
[1] Como se depreende do seu prefixo “nano”, que corresponde a um milésimo milionésimo da unidade (0,000 000 001), a nanotecnologia é a “ciência do pequeno” (do muito pequeno, mesmo). Segundo Cylon Gonçalves da Silva, físico brasileiro ligado à criação do Centro Nacional de Referência em Nanotecnologia, não se trata realmente de uma tecnologia específica mas de um “conjunto de técnicas, baseadas na Física, na Química, na Biologia, na Ciência e Engenharia de Materiais e na Computação, que visam estender a capacidade humana para manipular a matéria até aos limites do átomo”. Foi em 1959 que Richard Feynman, físico norte-americano e Prémio Nobel, lançou, pela primeira vez, a ideia da nanotecnologia, no decorrer do encontro anual da Sociedade Americana da Física. Proferindo uma palestra subordinada ao título “Há muito espaço lá em baixo” causou a estupefacção geral ao atirar para o ar a seguinte questão: “Por que não podemos escrever todos os 24 volumes da Encyclopaedia Britannica na cabeça de um alfinete?” Consta que a assistência riu. Mas Feynman, imperturbável, terá continuado: “A cabeça de um alfinete tem uma dimensão linear de 1/16 de polegada. Se a ampliarmos em 25 mil diâmetros, a área da cabeça do alfinete será equivalente às páginas da Encyclopaedia Britannica. Então, tudo o que é preciso fazer é reduzir o tamanho de tudo o que está na enciclopédia 25 mil vezes”. A ideia estava lançada, mas acabou por cair no esquecimento. Somente em 1992 a nanotecnologia viria a afirmar-se definitivamente, graças às propostas que Erick Drexler apresentou perante o Comité do Senado para o Comércio, Ciência e Transporte, Sub-Comité para a Ciência, Tecnologia e Espaço, subordinado ao tema “Nanotecnologia Molecular”. Uma dessas propostas consistia em produzir “objectos a partir de moléculas, manipulando átomos individualmente, como tijolos na construção de uma casa”. Al Gore, que viria a ser Vice-Presidente dos EUA e era, na altura, Presidente do citado Sub-Comité, gostou do que ouviu. Estava garantido o apoio à nanotecnologia por parte da Administração Clinton.
http://www.comciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano10.htm
http://www2.uol.com.br/sciam/nanotecno.html

in Américo de Sousa (2004), O homem com medo de si próprio, Porto: Estratégias Criativas, p. 13

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O vencedor da entrevista

E quando Judite de Sousa lhe pergunta “Acha que (a descida de 1% no IVA) vai ter um impacte positivo junto dos consumidores?”, o Primeiro-Ministro, em vez de responder, contra-ataca: "ouça… negativo é que não tem (…)"

Deixa assim no ar a ideia de que se a descida não tem impacte negativo é porque tem impacte positivo, o que não é forçosamente verdadeiro. Em tese, a descida de 1% no IVA pode até não ter impacte algum, nem positivo nem negativo. Daí que não tenha sido propriamente uma “retórica branca”, aquela a que Sócrates deitou mão. Mas agora pergunto eu: o que é que isso poderia
interessar numa entrevista orientada mais para a vitória de uma das partes do que para a compreensão do que estava em causa?

02 julho 2008

O senhor deputado chantagista

Via TSF, apanhei hoje este belíssimo testemunho da maior elevação parlamentar:
"O senhor deputado acusa-me de chantagem? Chantagem é o que o senhor deputado está a fazer."
Não sei qual dos dois é o chantagista nem quero saber. Só sei que deve ser o máximo um chantagista ser tratado por senhor deputado, mesmo ali, em plena Assembleia da República. Mas se a ideia era a de "manter o nível", resultou. O nível manteve-se. Baixo, muito baixo.