31 março 2006

Folhetim PJ

Levanta-te e ri

Acontece-me muitas vezes com o saco do semanário Expresso, ao sábado. O ritual da compra cumpre-se (até porque está previamente encomendado) mas, regra geral, só consigo lê-lo no dia seguinte. E por vezes, nem isso. Limito-me a um olhar cruzado sobre aquelas páginazonas e ponho o caderno "Actual" a recato, para lhe dar a devida atenção mais tarde. Como aconteceu desta vez. A edição é já do passado dia 18, mas não resisto a deixar aqui alguns exemplos dos "pontapés na gramática" que Francisco Belard repescou do recente livro Gente Famosa Continua a Dar Pontapés nas Gramática-Manual de Erros e Correcções de Linguagem, de Lauro Portugal (Roma Editora, 2006, 222 págs.). Concentrem-se, por favor:

Jogador de futebol do F. C. Porto:
"O meu coração só tem uma cor: azul e branco"

Relator de futebol:
"Chega agora a informação: o jogador que há pouco saiu lesionado sofreu uma fractura craneana no joelho"

Jornalista da TVI:
Foi assasinado mas não se sabe se está morto"

Jornalista (sobre o caso Aquaparque):
"Os aquaparques têm feito, durante este ano, muitas vítimas. Que o digam os dois mortos registados este mês..."

Jornalista da TVI:
"Os sete artistas compôem um trio de talento"

Bom... é melhor ficar por aqui, não vá isto pegar-se...

30 março 2006

A importância dos conselhos

O Governo não se pode substituir às famílias mas pode dar-lhes conselhos no sentido de serem prudentes quanto ao seu grau de endividamento - acaba de dizer o Ministro das Finanças em entrevista à RTP1 conduzida por Judite de Sousa. Acho bem. Só não acho bem que isto seja dito pelas mesmas pessoas que entendem que o Presidente da República não pode dar sugestões ou conselhos ao Governo quanto à necessidade desta ou daquela lei, por exemplo. A questão é: porque razão pode o Governo dar conselhos em matéria que não é da sua competência e o PR não? Uma sugestão, um conselho ou até uma crítica não serão, por acaso, o melhor presente que se pode dar a um bom Governo?

Excerto de um livro não anunciado (300)

Em segundo lugar, temos que essa falta de visibilidade do elemento persuasivo parece conferir à persuasão uma aparência de natureza indecifrável, quando não transcendental, susceptível de levar a concepções tão bizarras como a que podemos surpreender na Enciclopédia Koogan-Larousse (1979), onde o adjectivo “persuasivo” ainda aparece definido como aquele “que tem o poder, o dom de persuadir”. Será um exagero descortinar nestes termos, poder e dom, uma certa remissão para o domínio sobrenatural ou, no mínimo, para uma persuasão só ao alcance dos eleitos? Finalmente, a constatação de que uma grande parte dos autores [Bellenger (1996); Breton (1998); Roselló (1998), etc.] que se referem à persuasão, fazem-no em obediência a uma ideia prévia e marcadamente negativa, associando-a a toda a espécie de malefícios, que vão desde a ameaça ao livre arbítrio da pessoa humana até à prossecução de interesses inconfessáveis, ao mascarar da verdade, ao deliberado engano.

28 março 2006

Jornalismo fraudulento

Luis Salgado de Matos denuncia hoje, na sua crónica do Público, a subversão noticiosa a que se dedicam as chamadas "agências de comunicação social":

"Estas agências recebem dinheiro de institutos pú­blicos e empresas privadas para colocarem nos jornais notícias-favoráveis aos pa­gantes e evitarem as críti­cas. A pedido da agência, o jornal publica notícias revelando a extraordinária actividade do gestor públi­co Sicrano, ou a espantosa eficácia da empresa Chispêteó"

"É um mistério sem ser um milagre que a imprensa 'se preste a publicar estas notí­cias a rogo, deixando que outros vendam às ocultas o seu espaço e prestígio, pois, sendo séria, ela própria lança dúvidas sobre a sua seriedade. (...) Mesmo que este esquema seja um serviço público desconhecido, há um problema: o esquema é escondido ao leitor. O leitor lê uma notícia a rogo, julga ler o jornal dos jornalistas e, sem o saber, lê a publicidade oculta de um instituto público ou de uma em­presa privada.

Ainda se poderá chamar de jornalismo a uma coisa destas?

27 março 2006

Senhora me perdoe

Estava daqui a ver a nossa Ministra de Cultura no "Prós e Contras" a responder às mais simples perguntas de Fátima Campos Ferreira de forma tão atabalhoada, tão nervosa, tão insegura, que não pude deixar de a associar a uma muito provável falta de preparação (e de feitio) para o cargo. Não deve continuar como Ministra por muito tempo. Pelo menos, parece que não deveria. Senhora me perdoe.

Gaia à frente

Ninguém levará a mal que um gaiense se regozije pelo facto do Cais de Gaia surgir como o melhor espaço público do país em concurso organizado pelo Instituto Português de Turismo (IPT).

Aliás toda a zona ribeirinha (Porto e Gaia) está cada vez mais soberba, até à noite. Vale a pena lançar-lhe um olhar de 360º.
Experimente.

Excerto de um livro não anunciado (299)

Retomando uma ideia que expressamos logo no início deste estudo, diremos que não é fácil definir a persuasão, de tal modo ela parece esquivar-se a qualquer tentativa de a autonomizar de domínos tão intercomunicantes como são os da retórica, argumentação e sedução. Várias são as razões que parecem concorrer para tal dificuldade. Em primeiro lugar, o carácter semi-oculto da sua manifestação, que, obviamente, constitui uma excepção à regra da transparência no acto de comunicar. Com efeito, não raras vezes, a eficácia da persuasão reside mais no não dito do que naquilo que é realmente expresso e isto porque a persuasão, tal como a surpresa, não se anuncia, faz-se. Iniciar uma argumentação persuasiva com a frase “vou persuadir-te...” seria comprometer a sua própria possibilidade, tal como se, pretendendo fazer uma surpresa a alguém, começássemos por preveni-lo com um “vou surpreender-te...”. Num e noutro caso, haveria por assim dizer, uma notória incompatibilidade entre o dito e o feito, na medida em que o próprio dizer já inviabiliza o fazer.

26 março 2006

Ser justo


Se as 400 medidas com que o Governo quer "tornar mais simples o dia-a-dia do relacionamento dos cidadãos com o Estado" forem todas tão acertadas como esta, por exemplo, o melhor é começar já a aplaudir. Porque ser justo não é uma questão de ideologia ou militância partidária. Ser justo é, como sabemos, uma questão de carácter.

Para compreender Platão


"O problema não é tanto o facto de ele escrever inteiramente em forma de diálogo, de modo que ele pode não estar a assumir as teses colocadas na boca de uma das suas personagens"

Hare, R. M., (1998), O Pensamento de Platão, Lisboa: Editorial Presença, p. 36


Porque será tão sistematicamente esquecida ou ignorada esta (mais do que) possível diferença entre as teses que Platão coloca numa das suas personagens (Sócrates) e as suas próprias convicções filosóficas? O que nos autoriza a confundir (ou identificar) o pensamento de Platão com as falas que este põe na boca do personagem Sócrates? Terá Platão realmente diabolizado a retórica como ainda hoje se diz à boca cheia?

Eis algumas das questões que analiso neste meu ensaio "A Retórica da Verdade em Platão". Para quem se interessa por estas "picuinhices" aqui ficam, por inteiro, o resumo e o 2.º capítulo: Quem fala por Platão?.

24 março 2006

O proibitivo casamento


"Da mesma forma que não é permitido conduzir embriagado parece-me lógico que fosse proibido casar apaixonado"

- dizia o Velho Samir, avô da cronista Fayza Hayat (*) e dizia bem. Que diabo, não seriam já horinhas de se levar o casamento mais a sério?

(*) Revista Xis, Público, 18 Março 2006

23 março 2006

O olhar mediático

"Olho em volta, que é como quem diz leio jornais e vejo TV"

Manuel António Pina (*)


Era David Hume quem dividia as percepções da mente em duas espécies, segundo os seus diferentes graus de força e vivacidade. As menos fortes e vivazes seriam os pensamentos, as ideias. Às outras, chamou-lhes “impressões”, querendo com isso dizer “todas as nossas percepções mais vívidas, sempre que ouvimos, ou vemos, ou sentimos, ou amamos, ou odiamos, ou desejamos ou exercemos a nossa vontade”. Nenhuma evocação ou antecipação imaginária teria, por isso, a mesma força que possui a experiência original, de que ambas são meras cópias. Mesmo quando a memória e a imaginação “representam o seu objecto de uma maneira tão vívida que quase podemos dizer que o vemos ou sentimos”, ainda aí, segundo Hume, o pensamento ficaria sempre aquém da “mais obtusa das sensações”.

A questão que levanta o mediático “olhar em volta” do poeta Manuel António Pina é a de saber se ainda será defensável uma tão irredutível diferença entre a “experiência primeira” e a sua representação, entre a sensação “ao vivo” e o reminiscente pensamento. Não apenas porque os “media” se afirmam hoje como protésica extensão dos nossos olhos e dos nossos ouvidos mas, sobretudo, porque mesmo se nem sempre retratam o mundo com toda a fidelidade, fazem-no, porém, sob diferentes ângulos, cores, formas, ritmos e efeitos que escapariam, por certo, à “percepção natural” ou directa.

Daí que a realidade mediática seja sempre uma outra realidade, uma realidade que tem em conta o mundo tal como é mas também o mundo que pode (ou que poderia) vir a ser. Está em causa, pois, muito mais do que um olhar fotográfico. Ler jornais, ouvir rádio, ver televisão, é também aceder à contínua reelaboração do mundo da vida. E isto porque a representação surge cada vez mais colada ao real que, a um tempo, representa e enriquece.

Torna-se assim muito problemático aceitar que as “impressões”, no sentido humeano, possam continuar teórica e exclusivamente alocadas à “experiência primeira” até porque, num certo sentido, a mediatização desta última dá origem, ela própria, a uma nova experiência “ao vivo”, na qual, como não poderia deixar de ser, também ouvimos, vemos, sentimos, amamos ou odiamos, desejamos ou exercemos a nossa vontade. Faz por isso todo o sentido o feliz dizer do poeta: “Olho em volta, que é como quem diz leio jornais e vejo TV".


(*) in Visão, 23 de Fevereiro 2006

21 março 2006

Excerto de um livro não anunciado (298)

Tratando-se porém de agir sobre uma opinião mais ou menos estruturada e estável, o persuasor terá que, antes de mais, vencer a inércia do interlocutor, captar a sua atenção e interesse pela discussão, sob pena da própria interacção ficar comprometida. Ao raciocínio e à decisão é preciso então juntar agora também a atenção, não só como factor persuasivo, mas também como condição prévia e necessária da própria argumentação. Mais adiante iremos ver, aliás, como determinadas técnicas de focalizar a atenção podem ser usadas para introduzir na persuasão uma sugestibilidade exagerada que leva à redução da capacidade crítica do decisor. Antes porém, precisamos caracterizar, ainda que sumariamente, a persuasão e os diferentes modos em que se exerce ou manifesta.

19 março 2006

A poética da lucidez

"(...) já não escrevo poesia para mudar o mundo mas tão-só para evitar que o mundo me mude a mim."

Manuel António Pina
in Visão, 23 Fevereiro 2006

Pode haver mais poesia na desilusão?

Uma loja iluminada

Depois de, há dois dias atrás, ter aqui referido o excelente atendimento que me foi dispensado por uma empresa "virtual" ligada ao registo de domínios, a arsys.pt, reparo agora que o "consumidor" Rui Branco teve uma sorte semelhante quando foi devolver um candeeiro que não revelava a menor vocação para iluminar fosse quem fosse:
.
"Ontem levei o candeeiro à loja e pedi para trocar por outro modelo. Como bom e escaldado português temi o pior. Trocaram-mo sem fazerem uma pergunta ou imporem uma condição."

Sejam quais forem as suas motivações últimas, empresas (ou entidades similares) como estas, que respeitam (também) os interesses do consumidor, merecem o devido destaque público na televisão ou na rádio, no jornal ou no blogue e até, porque não, nas conversas de café. Ainda bem, por isso, que o Rui Branco, seguindo a opinião de alguns leitores do seu blogue, acabou por nos anunciar a loja onde foi tão bem atendido: a Gillamp do CCColombo. Uma loja iluminada, já se vê.

Nota-Porque razão deveríamos dar aqui o maior relêvo às empresas que nos servem mal (PT Comunicações, Telepac, Netcabo, etc.) e nem sequer mencionar aquelas de quem só temos a dizer bem?

Excerto de um livro não anunciado (297)

Persuasão e retórica

No quadro da persuasão, onde se situa a retórica, pode afirmar-se - ainda mais acentuadamente do que em qualquer outro tipo de discurso - que a finalidade do raciocínio é a decisão, uma decisão que fundamentalmente consiste em escolher uma das duas opções sempre em aberto: aderir ou não aderir. Referimo-nos aqui não apenas ao acordo final do auditório quanto à validade das teses que lhe foram propostas, mas também à adesão a cada uma das premissas e dos argumentos avançados pelo orador nas diferentes fases do seu discurso. É este o entendimento que se mostra mais de acordo com a interrogatividade em contínuo defendida por Meyer e que implica que, para decidir e raciocinar em cada uma dessas diferentes fases, o auditório (ou decisor) deva ter conhecimento prévio:

a) da situação ou problema que requer uma decisão
b) das diferentes opções de resposta
c) das consequências de cada uma dessas opções

São estas as três condições em que a retórica e a persuasão podem aspirar à adesão crítica do auditório. Do lado do orador, correspondem ao imperativo ético de não escamotear a verdadeira natureza do problema que carece de solução consensual, dar a conhecer ao auditório as diferentes respostas possíveis em vez de ocultar as que lhe pareçam “inconvenientes” e, por último, enunciar as previsíveis consequências de cada uma dessas opções. Do lado do auditório, prefiguram as três exigências básicas da respectiva tomada de decisão, de tal modo, que, uma vez não satisfeitas, legitimam, por si só, o silêncio ou recusa de aderir. E se a adesão (ou não adesão) é a consequência natural do raciocinar e decidir, então, dir-se-á, há-de ser também nessas duas instâncias do pensamento que a persuasão se submeterá à mais dura prova da sua eficácia.

17 março 2006

E não os conheço de lado nenhum

Sem perceber nada de domínios e alojamentos, deambulei pela web em busca de alguma ajuda para registar um domínio .pt. Casualmente acabei por ir ter aqui:


E foi tudo fácil. Escolhi um nome, fiz meia dúzia de cliques e o meu pedido de registo ficou pronto em dois tempos. Por email, automaticamente ou não (não cuidei de averiguar) mas sempre de imediato, a empresa ia-me pondo ao corrente dos dados que recebera e do que me faltava fazer. Fui a uma caixa do Multibanco, transferi a devida importância para a conta que me fora indicada e fiquei a aguardar a confirmação do registo.

Calhou mal. Fui informado de que as esquisitas normas da FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional não permitem o registo de um domínio .pt em nome diferente do que constar do documento identificativo oficial. Um empresário em nome individual, por exemplo, não pode registar o domínio as.pt ainda que se chame antónio santos. Com o dinheiro já do lado de lá e sem conhecer a arsys.pt de lado nenhum, pensei imediatamente em lhe dizer adeus. Por imperativo de consciência especialmente aguçado em tempo de crise, resolvi pegar no telefone e marcar o numero azul 808 78 1000.

Tenho má memória destes números coloridos (azul, verde, etc.). Regra geral representam esperas intermináveis até que alguém atenda, seguida de uma fila de desculpas de mau pagador. Daí a minha surpresa. Fui prontamente atendido e, pasme-se: sem música. Primeiro veio o João. Uma simpatia. Muito interessado em me resolver o problema, apesar de não ser da sua especialidade, foi-me dando preciosas dicas. Depois chegou o António (era hora de almoço) que rapidamente se inteirou da minha situação, respondeu a todas as minhas perguntas com interessada competência e não abandonou a linha sem antes me guiar passo-a-passo no novo registo que, naquela mesma hora, pude efectuar. Problema resolvido. Cliente satisfeito. E como não poderia deixar de ser... muito grato. Afinal, fui tratado como um amigo quando não os conheço de lado nenhum. O mínimo que posso fazer é tornar pública esta minha gratidão. Pronto, já está.

Quem julga a Direcção Geral de Saúde que é?


Hans Jonas (*) viu-se grego, como se sabe, para descobrir os critérios que deveriam presidir à escolha de quem se poderia candidatar à promessa tecnológica do prolongamento artificial da vida. Pessoas de especial qualidade e mérito? De grande destaque social? Aqueles que a podem pagar? E não vislumbrando uma solução eticamente satisfatória acabou por reconhecer que o justo era que toda a gente tivesse a mesma possibilidade de aceder a tal benesse. Bons tempos, esses, em que a ética era, em si mesma, um limite à tomada de decisões discriminatórias.

Mas é claro que Hans Jonas nem era português nem está já entre nós. Quem está entre nós são, por exemplo, os actuais técnicos da Direcção Geral de Saúde que, sem qualquer cerimónia, já escolheram os 100.000 portugueses “fundamentais” que irão ter direito à vacina contra a gripe aviária. Sucede que enquanto Jonas lidava apenas com a mera possibilidade de se prolongar a vida, as decisões da DGS podem representar uma potencial condenação à morte antecipada de muitos cidadãos. Daí a pergunta: quem julga a Direcção Geral de Saúde que é?

(*) Hans Jonas, (1994), ÉTICA, MEDICINA E TÉCNICA, Lisboa: Vega

16 março 2006

Excerto de um livro não anunciado (296)

Podemos então vislumbrar a importância de que se reveste a teorização de Damásio para o conhecimento dos mecanismos do raciocínio e da tomada de decisão presentes na retórica e na persuasão em geral. Com efeito, a somatização do discurso, a inseparabilidade entre razão e emoção, o papel do marcador-somático na prévia selecção (ou filtragem) das opções de resposta e, de uma maneira geral, “a simbiose entre os chamados processos cognitivos e os processos geralmente designados por emocionais” (*), parece influenciar e condicionar de tal modo a tomada de decisão, que seria absurdo prescindir da sua consideração no âmbito de qualquer estudo retórico.

(*) António Damásio, (1995), O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. Ed.), p. 187

15 março 2006

Sem pedras na mão


João Morgado Fernandes diz neste seu cirúrgico Editorial tudo o que responsavelmente se pode dizer, por agora, sobre o futuro do relacionamento entre o novo Presidente da República e o Primeiro Ministro. Com realismo, com boa fé analítica e, sobretudo, sem recorrer às apocalípticas profecias com que outros começaram, desde já, a envenenar o país, o Director-adjunto do DN faz-nos ver que se nem tudo são rosas, também não há qualquer razão para se ver espinhos por todo o lado. E que, sobretudo, não nos devemos substituir ao próprio tempo. Quem sabe se o entendimento entre José Sócrates e Cavaco Silva não irá ainda surpreender muito boa gente? Aguardemos… sem pedras na mão.

14 março 2006

Olha para o que eu digo...

Acidentalmente reparei neste bem-humorado comentário do Tiago Geraldo:

"Vital Moreira muda da NetCabo para a concorrência. O comunismo - que Vital Moreira deixou de abraçar há uns anos - não move nem comove, mas, vindos de quem vêm, estes tardios e comoventes apelos ao funcionamento do mercado e à severidade concorrencial fazem-me perceber que nada como o capitalismo poderá ir tão assombrosamente longe em matéria de redenção do homem."

E eu que ainda no meu post anterior defendia a coerência de tão iluste consumidor.

O controverso alerta-vermelho

A avaliar pelos motivos de preocupação que aqui expõe (e que os seus posts seguintes só confirmam), Vital Moreira terá reactivado o seu alerta-vermelho contra o novo inquilino de Belém. Nada que verdadeiramente surpreenda, depois dos sucessivos ataques que fez às ideias, mas também à pessoa do agora Presidente da República, durante a recente campanha eleitoral. Que era um homem autoritário, sem convicção, sem sinceridade e disposto a usurpar funções governativas; que, a ser eleito, levaria inevitavelmente à crispação e ao conflito político e institucional com a maioria parlamentar e o Governo; que a sua candidatura assentava numa mistificação política e que, inclusive, possuía uma solução para a justiça, no mínimo, inquietante; que não ultrapassava “os limites de uma cultura economista e tecnocrática”, etc., etc. – eis alguns dos “mimos” com que o comissário Vital – a maioria das vezes, disfarçado de comentador – abnegadamente brindava Cavaco Silva, com a secreta esperança, dir-se-á, de abrir os olhos aos eleitores.

Mas para grande azar do insigne professor de direito, o seu “candidato-maldito” acabou por vir a ser eleito pelos portugueses, por sinal, com maioria absoluta. E para agravar o desaire, mais de 85% do eleitorado ignorou o candidato apoiado por Vital Moreira. Não deve ter sido fácil. Qualquer outro meteria a viola no saco e... fingia-se de morto por uns tempos. Mas o comissário Vital, honra lhe seja feita, é um político (sim, um político) de fibra, que não esmorece na afirmação dos seus mais antigos ideais pelo que, ao menos para ele, “a luta continua”. Se disse tão mal de Cavaco-candidato, é da mais fundamental (ou fundamentalista?) coerência política que continue a dizer, se possível, pior ainda, de Cavaco-Presidente. E o primeiro sinal veio logo
no dia seguinte às eleições quando classificou como vitória fraca… uma vitória por maioria absoluta.

Agora decidiu, pelos vistos, reactivar o seu alerta-vermelho, accionando de novo as sirenes da atoarda política, aparentemente contra tudo o que o novo Presidente da República possa dizer ou decidir. Um bom exemplo desta sua aparente obsessão anti-cavaquista está aqui,
neste post, onde lhe deu para classificar como preocupante que Cavaco Silva tenha opiniões controversas sobre a “constituição europeia” e a “centralização do país”. Mas então não são precisamente esses dois assuntos tão controversos na sociedade portuguesa? Se um assunto é controverso como pode o Presidente da República ter sobre ele uma opinião não controversa? Será que para o digníssimo professor de direito a opinião do Presidente seria menos controversa se coincidisse com a sua? Francamente...

13 março 2006

O alerta-vermelho

Já foi reactivado. Mais pormenores, a seguir.

11 março 2006

Excerto de um livro não anunciado (295)

Voltemos porém à surpreendente decisão do cliente de não efectuar o seguro que lhe foi proposto. Em que medida essa sua reacção pode ser explicada pela hipótese do marcador-somático? Vejamos: o cliente tinha que decidir, pelo menos, entre duas opções, fazer ou não fazer o respectivo seguro e, do ponto de vista lógico-racional, nada obstava a que a sua resposta fosse positiva. Mas ao proferir aquela “fatídica” frase, o agente de seguros terá feito convergir a atenção do cliente para o cenário da sua própria morte, despoletando-lhe emoções e sentimentos mais ou menos penosos. E como diz Damásio, um “mau resultado” quando associado a uma dada resposta, por mais fugaz que seja, faz aparecer uma sensação visceral desagradável. A partir desse momento, a escolha de fazer ou não fazer o seguro passa para segundo plano, pois o cliente tem agora um novo quadro opcional pela frente que já não diz respeito à bondade da argumentação do agente nem sequer à subscrição do próprio seguro. Houve, por assim dizer, uma antecipação e um deslocamento do núcleo problemático, que passou a ser o de ter de escolher entre decidir ou não decidir (fosse qual fosse o sentido dessa decisão, o de fazer ou não fazer o seguro). E, obviamente, é a opção decidir que surge associada às já citadas emoções secundárias, constituindo-se o marcador-somático como um “avisador automático” do mal estar que essa opção representa ou provocaria, pois decidir, neste caso, significaria ter de enfrentar o fantasma da própria morte. Antecipando-se à análise racional das duas opções iniciais (decidir ou não decidir) em função dos custos/benefícios quer de uma quer de outra opção, o marcador-somático funciona assim como uma espécie de filtro, que no caso em apreço, apenas deixa à consideração racional uma hipótese: não decidir. E foi o que o cliente fez.

10 março 2006

Tempo de confiar

"Confio-me, portanto, àqueles a quem cabe a grave tarefa de governar os seres humanos, isto é: manter a lei, a ordem, a tranquilidade e a paz entre milhões de seres de uma espécie que é, na esmagadora maioria, desmesuradamente egoísta, injusta, irracional, desonesta, invejosa, malvada, ainda por cima muito limitada e extravagante"

Schopenhauer
in Parerga I, La philosophie universitaire. Trad. francesa, em: Philosophie et philosophies, p. 42

Nesta tomada de posse do novo Presidente da República, a festa foi bonita, ao que me pareceu, nas duas ou três vezes que pude olhar o televisor (é uma chatice a cerimónia decorrer num horário de trabalho). Mas como diria o Gabriel Alves, a "moldura humana" foi impressionante (4.000 almas, é obra). E houve de tudo. Houve quem aguentasse até ao fim da cerimónia (a maioria dos presentes), quem lá voltasse algumas horas depois (Marques Mendes e Ribeiro e Castro) e até quem a certa altura tenha achado que "aquilo não era vida", saindo mesmo sem cumprimentar o novo Presidente da República (caso de Mário Soares). Mas se Cavaco Silva já prometeu desculpar os grosseiros ataques "eleitorais" de alguns dos actuais ministros, mais facilmente irá ignorar a indelicadeza do ex-candidato do PS que, para fazer a figura que acabou por fazer, melhor fora, talvez, que não tivesse aparecido.

Dia cheio para Cavaco Silva. Pelo discurso e pela pose (que tem a sua função), parece que Portugal vai ter um digno Presidente da República. É, contudo, muito cedo para embandeirar em arco pois tudo o que temos, por agora, não passa de um bom punhado de intenções. Falta o melhor: as obras, as decisões e as iniciativas concretas que podem conduzir à recuperação social e económica do país. Mas, por agora, como até o inveterado pessimista Schopenhauer diria, é tempo de confiar.

08 março 2006

Um Presidente sem modéstias

Acabou agora na RTP N o "Choque Ideológico Especial", um balanço sobre o que foram os 10 anos de Jorge Sampaio na Presidência da República. Só para dar uma ideia do "tom" do programa aqui ficam alguns "flashs":

António Costa Pinto: Jorge Sampaio tem uma visão institucionalista da Presidência da República

Paulo Varela Gomes: Jorge Sampaio é um fraco.

Joaquim Aguiar: um Presidente da República não se autoavalia.

Carlos Abreu Amorim: se o Presidente da República não tem uma palavra a dizer no que toca à credibilidade das instituições então não sei onde é que a poderá ter.

Finalmente alguma pluralidade opinativa em contraponto com uma série de acolhimentos mais ou menos lineares do entendimento que Jorge Sampaio tem do seu próprio desempenho: "acho que me devo deixar de modéstias e que posso dizer que o balanço é positivo". Quem fala assim...

07 março 2006

Comunicação municipal: democracia versus eficácia

Hoje, de tarde, fui à Ribeira. Foi um regresso ao passado (do Porto medieval) para ouvir falar do futuro. Do futuro de uma comunicacão municipal que assegure, quer a participação democrática das populações na actividade politica quer a operacionalidade das respectivas estruturas administrativas.
:

"Comunicação Institucional nas Autarquias Locais" - assim se chamava o seminário que decorria na sala D. Luís, do panorâmico Pestana Porto Hotel, destinado a técnicos ou assessores de comunicação das autarquias. Entre os acreditados oradores encontrava-se Narciso Miranda que quando cheguei já abandonava apressadamente o local, ao volante de um BMW 320 d, preto, novo em folha ou quase. Querem ver que o homem anda ainda mais ocupado agora do que quando presidia à Câmara de Matosinhos?

Mas não foi Narciso quem me levou lá. Fui propositadamente para assistir à intervenção do professor e investigador Eduardo Camilo, da UBI, que fez, por sinal, uma excelente comunicação, onde sobressaiu a apresentação de um específico modelo de comunicação municipal com base nas seguintes características:

1) Divisão do trabalho comunicacional (plano de partida, plano processual e plano de chegada)
2) Dimensão dialógica e interactiva
3) Princípio democrático versus princípio da eficácia
4) Os dois públicos-alvo: utentes (consumidores) e munícipes (cidadãos politicamente activos)
5) Heterogeneidade das produções linguísticas
6) Abertura aos novos meios e tecnologias de comunicação (com Know how técnico adequado)
7) Possível produção de efeitos perversos

Foi, sem dúvida, um final de tarde ganho e muito bem ganho, onde aprendi coisas que me serão muito úteis. E a avaliar pelas reacções que se seguiram à palestra, o auditório não terá ficado menos satisfeito do que eu. O Eduardo Camilo e a UBI estão, por isso, de parabéns.

Excerto de um livro não anunciado (294)

Algo correu mal nesta situação argumentativa. O que terá falhado? Há fortes razões para pensar que foi o tipo de ilustração, ou seja, a particular situação ficcionada pelo agente, que não surtiu o desejado efeito. De facto, qualquer profissional mais experiente na venda de seguros teria evitado proferir a expressão imagine que o senhor vai morrer amanhã substituindo-a por uma outra que servisse idêntico fim mas que não apresentasse o mesmo risco de surgir com uma carga emocional negativa aos olhos do cliente e que poderia ser, por exemplo, imagine que tinha morrido ontem. Notemos que embora as duas frases em causa cumpram a mesma função no contexto argumentativo (situar a morte da pessoa segura, como acontecimento que faz funcionar as garantias da apólice), criam porém, automaticamente, dois cenários radicalmente distintos na mente do candidato a segurado, quer no tempo em que se situam (passado ou futuro), quer na possibilidade da sua concretização. Ou seja, a expressão imagine que vai morrer amanhã é, à partida, muito menos “simpática” para o cliente, porque o leva a representar mentalmente um acontecimento fatídico (a morte) como algo que lhe pode muito bem vir a acontecer já no próprio dia seguinte. Daí que origine uma sensação tanto mais desagradável quanto mais impressionável ou supersticiosa for a pessoa em causa. Pelo contrário, a mesma pessoa, ao escutar a frase imagine que tinha morrido ontem, quase respira de alívio, pois sabendo-se viva, tem a imediata noção de que é totalmente impossível vir a ser vítima dessa fatalidade (a morte) nos exactos termos em que é chamada a representá-la, ou seja, como um acontecimento do passado. É, de resto, para evitar cargas emocionais negativas deste mesmo tipo que as seguradoras continuam a chamar seguro de vida a um seguro que, afinal, só funciona em caso de morte, tal como insistem em designar como seguro de saúde uma apólice que só cobre a doença.

06 março 2006

Match Point

Vi, finalmente, e gostei. Concordo com quase tudo o que sobre esta obra-prima de Woody Allen já aqui foi dito.

05 março 2006

Choque cordial

Vi esta semana, pela primeira vez, o programa "Choque Ideológico" da RTP N, no caso, apenas os últimos dez minutos de uma das suas emissões diárias, em que estavam frente a frente Carlos Abreu Amorim, do Blasfémias e Paulo Varela Gomes. Fiquei imediatamente cliente tantas foram as coisas realmente importantes que ali foram ditas em tão pouco tempo. Para mais, gosto de um debate assim: animado, frontal e polémico, mas sem baixar o nível da cordialidade. Excelente.

04 março 2006

Da pureza original aos pecados do tempo

Vem hoje na última página do Expresso:

"Igreja perde gestão da Casa do Gaiato

A Casa do Gaiato vai ter, pela primeira vez na sua história, um dirigente não-sacerdote. A Segurança Social decidiu tomar em mãos as rédeas da instituição, depois de uma auditoria da Inspecção-Geral ter denunciado diversas situações de maus tratos físicos e psicológicos sobre os menores residentes nas diversas casas da instituição."

É impossível não reparar na mensagem de fundo para que esta notícia nos remete. Quem a souber e quiser ler que a leia. Mas concerteza que de uma instituição "nas mãos" da Igreja não se espera que seja preciso o Estado chamar a si a iniciativa de acabar com tão deplorável "acolhimento" dos menores que lhe estão confiados. Igualmente preocupante parece ser a substituição de um padre por um leigo no cargo de futuro director da instituição, contra a vontade da Diocese do Porto que "tentou, ainda, encontrar uma solução dentro do clero, para que se mantivesse a 'pureza original (?) do projecto do padre Américo', mas não o conseguiu". Aparentemente, o Governo "não acreditará" que um outro padre pudesse dar tão boas garantias de desempenho como as que dá um leigo. O que, atenta a moralidade do que está em questão, dá que pensar. Ou não dá?

Nove(s) fora de prazo

"O senhor Presidente teve a delicadeza de não estabelecer prazos" - disse, há dias, o senhor Procurador, a propósito do inquérito ao "envelope 9".

Pergunta-se: porque é que o senhor Procurador não tem a delicadeza de os estabelecer?

03 março 2006

Excerto de um livro não anunciado (293)

É porém chegado o momento de nos interrogarmos sobre o papel que o marcador- somático de Damásio pode desempenhar na compreensão interdisciplinar da persuasão, sabendo-se, como se sabe, que esta última se afirma como fenómeno humano complexo, insusceptível de ser apreendido sem um olhar pelos diferentes planos em que se manifesta: lógico, argumentativo, neurobiológico, psicológico e social. É o que procuraremos estabelecer, ao situar agora o marcador somático e a sua função, na dinâmica inerente a todo o processo de decidir. Vamos imaginar uma situação persuasiva, por excelência: a venda de um seguro.

De um lado, o agente de seguros, procurando realizar mais um negócio. Do outro, um candidato a cliente, avaliando as possíveis vantagens de subscrever um seguro de vida. A comunicação está a correr bem para ambos: o agente-vendedor sente que conseguiu prender a atenção e o interesse do seu interlocutor, enquanto que este se mostra visivelmente satisfeito pelo modo como está a ser esclarecido sobre a utilidade do respectivo seguro. Até que a certa altura, o vendedor, pretendendo dar uma ideia o mais exacta possível de como o seguro de vida funciona e, ao mesmo tempo, “acelerar” a persuasão do cliente, socorre-se de uma ilustração claramente retórica: “imagine que o senhor vai morrer amanhã. Nesse caso, a seguradora pagaria imediatamente o respectivo capital seguro”. E confiante neste efeito de presença, conclui a sua argumentação, ficando somente a aguardar a tomada de decisão do interlocutor, na expectativa de que, tendo este dado o seu acordo a cada uma das premissas da sua argumentação, irá agora, finalmente, subscrever o respectivo seguro de vida. Surpreendentemente, porém, o cliente desinteressa-se do seguro e, pedindo apressadas desculpas, some da sua vista. Em suma, uma venda fracassada, um acto persuasivo ineficaz.

01 março 2006

Jornalismo de tiro ao alvo

José Rodrigues dos Santos (em entrevista ao Público, no último "Mil Folhas") confessa: "O que o romance tem de interessante para mim é que é um atalho para chegar à verdade, um atalho que muitas vezes não consigo obter através do jornalismo". E depois de dar o exemplo de um diálogo ficcionado entre o Presidente da República e Santana Lopes, explica ainda melhor o que quer dizer:

"Através deste diálogo consigo reconstituir o que aconteceu utilizando soluções ficcionais - e é grande a probabilidade de, no essencial, acertar em relação ao que se passou"

Probabilidade de acertar? Será que o jornalista JRS faz da procura da "verdade" um campeonato de tiro ao alvo?